quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Matéria do Leitor

Malabarismo continua proibido em Blumenau
Por Alexandre 13/07/2005 às 18:43

Passados mais de três meses desde que sua atividade foi “proibida” pelos administradores da cidade, malabaristas continuam sem resposta do poder público

Passados mais de três meses desde que sua atividade foi “proibida” pelos administradores da cidade, malabaristas continuam sem resposta do poder público. No começo, quando o assunto freqüentava diariamente as páginas do JSC, as reuniões eram com os(as) secretários(as) municipais, e parecia que havia interesse em resolver o problema causado pela prefeitura aos artistas. Após várias promessas não cumpridas, reuniões canceladas, longas esperas nos gabinetes do poder, e já tratando com alguns escalões abaixo, parece que agora ninguém mais sabe de quem é o problema. Antes somente os fiscais da Secretaria de Planejamento ameaçavam os artistas, agora também os guardas de trânsito do Seterb receberam “ordens superiores” para ameaçar (prender??!!) os artistas

A Fundação Cultural após longo silêncio, vem a público (“Malabaristas ignoram a alternativa do poder público” JSC 02/07/05 ) dizer que já solucionou o problema, oferecendo trabalho a um dos artistas a partir de agosto. Diz lamentar que aos outros foi dada a oportunidade e eles não aceitaram. A verdade, porém, não é esta colocada pela FCB. Em abril, foram oferecidas 4 vagas para os artistas ministrarem oficinas de malabarismo para a FCB. Um deles aceitou de pronto a idéia. Outros não aceitaram por vários motivos, entre eles a taxa que seria cobrada dos alunos (R$ 40,00), além do mais a atividade continuaria “proibida”, fechando as portas da cidade a outros artistas de rua.

Em maio ocorreu uma reunião entre artistas, integrantes do Fórum de Movimentos Sociais de Blumenau e representantes da PMB, onde depois de muito debate o poder público se comprometeu a rever a dita “proibição”, ficando de dar uma resposta em alguns dias. O tempo foi passando, os artistas sendo jogados de um gabinete para outro, da FCB para a Seplan, para o Seterb, novamente para a FCB, situação que perdura até hoje, tudo na intenção de fazê-los desistir. O que falta ser entendido é que o problema não é de assistência social, não é somente um meio de artistas ganharem o pão que está em jogo. Está em jogo a alegria, que os burocratas tanto detestam. Está em jogo a liberdade, e liberdade não se compra nem nos é dada pelos de cima, liberdade se conquista.

Na concepção destes artistas arte é para todos, paga quem quer e pode. “Mas aqui não pode ser assim”, diz a elite, “cada coisa no seu devido lugar, via pública não é lugar da arte e sim da economia, andem para frente, no trânsito é só você e seu carro, o resto do mundo é um obstáculo entre seu dormitório e seu trabalho”.

O que mais surpreende e assusta é a completa ilegalidade desta proibição. Segundo a Constituição Federal (art. 5º, II), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Não existe lei alguma que trate do assunto. A lei 5833 trata somente das atividades de panfletagem comercial, não servindo para fundamentar a proibição ou regulamentação de uma atividade da qual ela nem de perto trata. Simplesmente os artistas foram proibidos de expressar sua arte, direito garantido pela Constituição (art. 5º, IX “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação, independente de censura ou licença”), porque alguns burocratas assim decidiram, hábito adquirido na iniciativa privada, de onde saíram quase todos os integrantes do governo, onde a vontade do patrão/proprietário é a lei.

Alguém tem de lembrar aos integrantes da administração que administrar a coisa pública não é o mesmo que administrar uma empresa privada. A empresa capitalista só tem um objetivo, gerar o máximo lucro possível, e a vontade a ser considerada é somente a de seu proprietário, que pode fazer com sua propriedade o que quiser, podendo até destruí-la. Na administração pública os interesses e as vontades a serem consideradas são as mais variadas possíveis, e de acordo com os princípios da democracia liberal, estes interesses estariam protegidos pelos princípios constitucionais aplicadas à administração pública (art. 37, caput da CF 1988), entre eles o princípio da legalidade, já que a lei teoricamente representa a “vontade do povo”. De acordo com este princípio, o particular pode fazer tudo que a lei não proíbe, já o administrador público só pode fazer aquilo que a lei expressamente permite.

Mais estranho é que justamente a administração de um partido que se diz defensor do liberalismo tenha esta postura, já que sempre foi uma preocupação dos liberais a defesa dos direitos individuais contra os desmandos do Estado (estranho teoricamente, pois os partidos e pessoas que participam e/ou apóiam o atual governo foram apoiadores ou responsáveis pela ditadura militar que por 30 anos torturou, prendeu e matou neste país).

O liberalismo tem seu berço na Inglaterra no século XVII, e sua principal luta era contra o absolutismo monárquico. A monarquia absoluta assentava-se sobre o fundamento teórico do direito divino dos reis. A autoridade do soberano era considerada de natureza divina e proveniente diretamente de Deus, portanto suas decisões eram infalíveis e inquestionáveis. Luis XV, rei da França, declarou que “nos não temos a coroa senão de Deus e o direito de fazer as leis nos pertence sem co-participação ou dependência”. Contra isto pregava John Locke, um dos pilares do pensamento político liberal, que pregava o anti-absolutismo, com a limitação da autoridade real pela soberania do povo, eliminando com isto os riscos da prepotência e do arbítrio. Pregava a distinção entre os poderes legislativo e executivo, bem como o direito insurrecional dos súditos (este direito que os liberais de hoje fingem esquecer) que significa que em caso de conflito entre o poder governante e o povo, deve prevalecer a vontade soberana da comunidade nacional, que é a única fonte de poder.

O liberalismo político vem com isto dizer que o fundamento do poder do Estado não é a vontade divina, mas a vontade do povo, este sim soberano (em tese, somente em tese) numa democracia liberal.

O que se vê aqui na cidade é que, devido a confusão entre público e privado que permanece na cabeça de nossos administradores acostumados a administrar empresas, voltamos à era absolutista, e que a lei que aqui prevalece não é a lei feita pelo poder legislativo, mas a vontade dos burocratas de plantão. São eles que decidem o que é bom e ruim para nós, o que é bonito e feio, o que é seguro ou perigoso, e nos proíbem de fazer coisas que eles acham ruins, feias e perigosas, pretensamente para o nosso bem. É a volta da figura do delegado de polícia do interior, o xerife que fazia a lei, punia, autorizava e proibia de acordo com o sonho que teve na noite anterior, ou de acordo com os interesses da classe que o sustentava no cargo. É a volta da figura do soberano infalível, que governa pela vontade divina, realiza todas suas vontades e seus caprichos, e que não deve satisfação a nada nem a ninguém, e que usa a ameaça (por enquanto) à utilização da força bruta para fazer valer sua vontade. O espírito absolutista anda assombrando Blumenau, mas tudo indica que a alegria e a liberdade não vão desistir de freqüentar nossas ruas.

Alexandre Schloegel - servidor público

Email:: corisco2005@pop.com.br


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