
O assassinato do
SEM TERRA em São Gabriel e suas consequências políticas
Bruno
Lima Rocha, cientista político, comenta o assassinato de
Eltom Brum da Silva, agricultor sem terra.
Bruno
Lima Rocha, cientista político com doutorado e mestrado pela
UFRGS, jornalista formado na UFRJ; docente de comunicação e pesquisador 1
da Unisinos; membro do Grupo Cepos e editor do portar Estratégia &
Análise.
Eis o artigo.
São
Gabriel, por volta de 10 horas da manhã. Fazenda
Southall, um complexo latifundiário totalizando 14.000 hectares,
alvo de disputa entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e o ex-proprietário, Alfredo
Southall. O cenário é o de batalha campal à vista. São 230
brigadianos de distintas unidades contra cerca de 270 colonos ocupantes, a
metade deles mulheres e crianças.
O desfecho político para o
governo que desse ato é responsável, até o momento é este. O
sub-comandante geral da Brigada Militar (BM), coronel
Lauro Binsfeld, após sair-se muito mal com os veículos de
comunicação foi responsabilizado pela tragédia e afastado. Em seu lugar, o
coronel João Carlos Trindade Lopes, comandante-geral da
BM, indica o ex-comandante do Comando de Policiamento da Capital, coronel
Jones Calixtrato. Acima deles paira o secretário da
Segurança Pública, o general do Exército Brasileiro, Edson
Gourlarte. Assim, disputas da caserna policial refletem uma
interna mal digerida na forma de reposição de peças. O detalhe é que a
política não é tão simples e menos ainda as formas de se fazer política
para assegurar um direito constitucional. O assassinato de
Eltom é o começo de outra escala de lutas
reivindicativas.
Na cidade da Fronteira Oeste do Rio Grande
onde em 1756 caíra peleando o Corregedor do Cabildo da redução de São
Miguel, o Estado assassina um colono sem terra. Sepé
Tiaraju faleceu de lança em riste perto do Arroio
Caiboaté. Peleou, viveu, morreu e voltou defendendo sua terra e
povo a quem servia como uma liderança obediente da vontade popular.
Eltom Brum da Silva era um agricultor do interior de
Canguçu e que peleava por um pedaço de terra. Sua morte foi com chumbo e
pelas costas. Os balins da escopeta calibre 12 que assassinaram Eltom
deram um exemplo de como o aparato repressivo recorda suas origens e
funções quando o tema é a propriedade.
O colono não caiu por
acaso e menos ainda “mal súbito” como foi a versão da BM noticiada pelos
meios de sempre com a cobertura horrorosa de todos os dias. Ele caiu
porque era parte de uma medida de luta direta, a forma de exercício de
direitos constitucionais que jamais são garantidos a não ser que as
parcelas de povo organizado consigam exercer a sua vontade independente de
intermediários profissionais. Desta forma, ao mesmo tempo em que os
partidos de tipo burguês (de “esquerda” ou não) perdem seu sentido, os
órgãos de Estado se vêem na obrigação de ao menos se posicionar. O mesmo
se dá no quesito veículos de comunicação social.
As
versões da mídia comunitária e do maior conglomerado da
Província
De tudo o que li, a versão mais correta da
circunstância da morte de Eltom foi dada pelo movimento de rádios
comunitárias. Peço um pouco de paciência para quem lê o artigo para postar
na íntegra a versão da Associação Brasileira de Radiodifusão
Comunitária – estadual do RS
(Abraço-RS):
Agressão verbal teria motivado
PM a matar sem terra no RS, 21/08/2009
A tarde de
sexta-feira (21) culminou com a morte do agricultor sem terra Elton Brum
da Silva em uma ação da Brigada Militar do Rio Grande do Sul durante a
desocupação de uma área no município de São Gabriel. Fotos mostram que o
agricultor foi atingido por uma arma calibre 12. A suspeita recai sobre o
comandante do 2º RPMon de Livramento, Ten. Coronel Flávio da Silva Lopes,
que respondeu com o tiro a uma agressão verbal do agricultor. O ouvidor
agrário do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Gercino José da Silva
Filho desembarcou no Estado no final da tarde e já se dirigiu para São
Gabriel com a promessa de buscar punição aos responsáveis. A Brigada
Militar deu a primeira versão afirmando que o agricultor teria morrido de
um “mau súbito”. Horas depois o hospital local desmentia.
O
MST responsabiliza a política de segurança do governo Estadual e a Justiça
por postergar o processo de assentamento das famílias.
A ocupação reivindicava a aplicação dos recursos para saúde, educação e
infra-estrutura nos assentamentos da região e desapropriação do restante
da Fazenda Southall e a liberação imediata, na Justiça, das fazendas
Antoniazzi e 33, em São Gabriel, para o assentamento das famílias
acampadas no Estado.
Link para a Abraço-RS / Jornal dos
Trabalhadores
Se compararmos a nota acima com a cobertura da
mídia corporativa veremos a diferença de fundo. Esta abordagem teve a
apuração detalhada resguardando o sigilo de fontes que se arriscaram para
passar esta informação. Não responsabiliza o protesto social pela
repressão sofrida e sim os repressores. Já a matéria de Zero Hora (Grupo
RBS), assinada por Humberto Trezzi, tem um título que fala por si
só:
“Campos conflagrados: MST ganha seu mártir” (para seguir
neste link: – página 4 da edição de 22/08/2009)
O silêncio e a falta de imagens são a constante. O
ineditismo está na possibilidade de reagir na batalha da mídia e de furar
o bloqueio da produção de sentido que visa tornar sem sentido uma luta
milenar como a da posse da terra. Nesta frente, a possibilidade de
ofensiva pelos movimentos populares do RS está assegurada. Vejamos o que
antecede ao assassinato e como este gesto se localiza dentro da crise
política pela possível corrupção endêmica no governo neoliberal de Yeda
Crusius.
A repressão adiou sua sanha para a
Fronteira.
Um dos dilemas clássicos na política é a equação
entre a legitimidade de um governo com sua capacidade de reprimir. Não
estou discutindo necessariamente o poder de polícia, que é uma das
atribuições do Estado, não importando o nível de governo, seja a União,
estadual ou municipal. Mas sim, a relação de forças que vai além dos
formalismos institucionais. Por vezes, um gesto repressivo causa uma
comoção tamanha, que o respaldo de um mandato cambaleante pode se perder.
Em junho de 2008, mesmo bombardeada pela CPI do DETRAN-RS, com a gravação
de conversas privadas entre seu vice-governador rebelde Paulo
Afonso Feijó (DEM) com o então chefe da Casa Civil, Cézar
Busatto (PPS), a governadora do Rio Grande, Yeda
Crusius (PSDB), não titubeou em mandar as forças da ordem se
impor a qualquer custo. Na semana passada, a aposta de boa parte da
esquerda gaúcha era essa. Que a repressão desenfreada fosse coibir uma
marcha aparentemente pacífica e assim aumentar a comoção interna na
Província. Não foi o que se sucedeu, não dessa vez.
A crise
política fratura lealdades políticas e sociais de há muito constituídas na
sociedade rio-grandense. Sendo ou não culpada, vindo a ser condenada pela
ação de improbidade administrativa ou inocentada, a governadora
Yeda Crusius e sua base aliada consolidaram nos últimos
anos algumas quebras de paradigma no Rio Grande do Sul. Uma delas diz
respeito à tolerância típica do estilo social-democrata, onde as ruas são
palcos de manifestações e há tolerância no quesito repressão para
assegurar a relação de legitimidade do governo constituído. Quando um
governo é acusado de corrupção e se vê na berlinda, em geral não se dá o
luxo de reprimir quem está organizado. No ano de 2008, em seu primeiro
semestre, diante do mesmo escândalo que agora enfrenta, Yeda Crusius,
Paulo Roberto Mendes e a mídia de sempre distribuíram repressão sem dó nem
piedade.
Se apostava que, durante os atos políticos contra
seu governo, a sanha repressiva se encontraria de novo com a parcela de
população organizada. Não ocorreu o pior como no ano anterior porque o
núcleo duro Palácio das Hortênsias preservara Porto Alegre para matar em
São Gabriel. Se fosse reprimir na capital, o palco ideal seria no dia 14
de agosto.
Duas colunas significativas se formaram. Uma
saíra da Escola Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho,
lugar de romaria da esquerda desde os anos ’60. Outra coluna se dirigiu de
ônibus até a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul
(FIERGS), retornando para o Centro rumo à Praça da Matriz, onde a
Província concentra seus poderes oficiais.
Na última
sexta-feira dia 14 de agosto a cidade de Porto Alegre viveu uma manhã de
protestos. A data fazia parte da jornada nacional de lutas promovida por
diversas entidades, centrais sindicais e movimentos populares. A chamada
para todo o país se pautava na crítica a política econômica, a única pauta
que ainda unifica a fragmentada esquerda brasileira após quase sete anos
do governo de Luiz Inácio.
A marcha originalmente fora
convocada para atender essa agenda transformou-se no ato ecumênico das
esquerdas gaúchas, convocadas a partir da consigna de “Fora Yeda!”. E,
após alguns anos com certo vazio político na capital rio-grandense, neste
dia realmente o ato concentrou todos os matizes. O protesto se constituíra
desde a extrema-esquerda não eleitoral que se localizara no final da
coluna que saíra do Julinho, passando pelas bases
sindicais de servidores públicos até a bancada estadual do PT que
confortavelmente aguardava o cortejo chegar à Matriz.
Outra novidade ocorrera naquele dia, aguçando o cérebro dos marchantes.
Pela primeira vez, o núcleo duro de Yeda, resolvera
reagir e convocou aos CCs, estagiários, FGs e militantes tucanos a se
posicionar na Esplanada da Assembléia. Houve por tanto, dois atos, de
dimensões distintas, embora antagônicos.
Na ausência de
repressão ao longo do trecho, outra conjectura atravessava a todas as
agrupações e movimentos ali presentes. Haveria ou não conflito com a
centena de manifestantes a favor da governadora ali presentes? Com a
desproporção numérica de mais de 3.000 protestantes contra menos de duas
centenas pró-Yeda, a Brigada teria obrigação de intervir. O “duelo” não
houve, mas ficou o fato político e a possibilidade de repressão policial.
Na mesma sexta-feira, o protesto estadual ganhou relevância nacional ao
ser midiatizado pelo Jornal Nacional. Nesta semana, o dilema entre
protesto e repressão foi alimentado pelos meios de comunicação do estado.
Quem está na lida política sabe ler estes sinais. Nenhum tema dessa ordem
é pautado por acaso e a variável repressão não foi descartada pelo ainda
cambaleante governo da economista neoclássica. Aquilo que não passou de
xingamentos e alguns ovos atirados pelos marchantes, veio a se manifestar
no assassinato de Eltom Brum da
Silva.
Concluindo. Opções na
política gaúcha na perspectiva dos movimentos populares após o assassinato
na Fazenda Southaal.
Entendo que o assassinato do colono sem terra Eltom
Brum da Silva, ocorrido no dia 21 de agosto de 2009, na cidade de
São Gabriel, fronteira oeste, obriga as forças vivas da esquerda gaúcha a
se colocarem de prontidão. Tudo indica ter sido o ato premeditado, uma
ação de força do aparelho repressivo do governo gaúcho abalado pelas
denúncias de corrupção. Como quase sempre ocorre, o Corpo Auxiliar de
Polícia Imperial, criado para combater a Revolução
Farroupilha, depois batizada de Brigada Militar durante a
ditadura positivista, demonstrou sua eficiência na defesa de interesses
oligárquicos. Tampouco se trata do primeiro ato de brutalidade do governo
da economista neoliberal Yeda Crusius e não será o último. Nessas horas, é
preciso ter o mínimo de unidade tática entre o conjunto de movimentos
populares para frear o avanço repressivo. Matar um militante, de base ou
de coordenação, é algo que não deve ficar impune. Mesmo dentro da
democracia liberal burguesa existem limites que, uma vez cruzados, abrem
margem para outra escala de ações. Em não havendo resposta de mobilização,
a máquina reacionária por dentro do Estado abalado por eventos de
corrupção, não vai mais parar.
Mas, ao contrário de
outros colegas analistas, em geral perfilados com o reformismo, tanto o
que está no governo Lula assim como o da oposição de
esquerda-parlamentar, não consigo recomendar algo que vejo como
falsificável. Vejo que não há saída política de longo prazo dentro da
democracia dos oligarcas, banqueiros e transnacionais. E, tampouco há
possibilidade de transformação da sociedade ao agir por dentro do aparelho
de Estado. Mas, isso não quer dizer que não exista momento tático de luta.
Este, por exemplo, é um momento. Na hora da crise política, o povo tem de
se aperceber da existência de alternativas por fora dos espaços viciados
de participação oficial. É preciso retirar poder simbólico e político dos
intermediários profissionais e recriar a relação direta com as entidades
de base e os movimentos com autonomia decisória. E, sabemos que isso não é
fácil.
Uma saída que me parece óbvia é a unificação de lutas
e pautas. Nas semanas após o ASSASSINATO DE ELTOM BRUM DA
SILVA por parte da Brigada Militar sob comando de Yeda
Crusius (PSDB), vejo como imprescindível a união das forças
populares em torno de um objetivo comum, mas fortalecendo a
auto-representação popular, através de instâncias de coordenação entre
movimentos e entidades de base. A unidade das pautas e lutas precisa
apontar para as reivindicações imediatas e o objetivo geral comum de
assegurar uma vitória contundente contra um governo estadual acusado de
corrupto e com postura repressora! Sinceramente, não resta mais o que
fazer além do óbvio. Do contrário, o custo político de um morto será baixo
demais, abrindo precedente para outros assassinatos, neste e nos governos
de turno que virão.
Para esta finalidade, agora já não basta
a luta reivindicativa. O momento é de derrubar Yeda Crusius e assegurar
que o vice também neoliberal nem chegue a ter as condições de legitimidade
para governar. Com esse acúmulo de forças, haverá condições de enfrentar o
acionar dos aparelhos de intermediação política profissional e o uso
errado que as siglas farão do martírio de mais um camponês.
O momento é de assegurar a vitória tática, no desmonte do
governo baseado em relações patrimonialistas, sob suspeita de corrupção
estrutural e sendo repressor ao extremo. E, o momento também é o de
derrotar o projeto do neoliberalismo no Rio Grande, especificamente para
não permitir a conclusão do empréstimo entreguista vende pátria com o
Banco Mundial.