sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Violência da PM de SP

Bairro com nomes de revolucionários sofre com violência da PM de SP

“Nos anos 80, quando começaram a lotear o terreno, não tinha nada lá. Não tinha asfalto, não tinha luz e a água nós pegávamos de mina. De noite ficava tudo escuro", lembra Sebastião da Silva, 59, aposentado, o Tião, morador do bairro Jardim Elisa Maria, na periferia norte de São Paulo. “E tinha muita gente aqui que era simpática ao PT e ao PC do B. Então fizemos um acordo com a então candidata do PT à prefeitura e São Paulo, Luiza Erundina: se ela se comprometesse a asfaltar o bairro caso eleita e deixasse que nós escolhêssemos o nome das ruas, nós apoiaríamos ela e os vereadores do partido. E deu certo.”
Como resultado, as vias do bairro homenageiam guerrilheiros que lutaram contra as ditaduras no Brasil, como Carlos Marighella, Carlos Lamarca e Olga Benário. A força dos nomes evocados nas ruas, todos perseguidos e mortos por regimes autoritários, infelizmente não protege os moradores do Elisa Maria. Muitos são vítimas das mesmas práticas repressivas e ilegais que a polícia usava nos anos de chumbo, e que ainda teimam em existir nos dias atuais nas periferias das grandes cidades brasileiras.
O aposentado se lembra bem do crime que tornou-se um divisor de águas no bairro. Ele tomava cerveja com amigos em um bar por volta das 20h30. Era uma sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007, uma típica noite quente de verão. A dois quarteirões de distância, um grupo de sete jovens com idades entre 16 e 27 anos matava o tempo conversando ao pé do escadão da rua Olga Benário. Como lá não existem muitos espaços de lazer como praças e parques, os degraus acabam servindo de ponto de encontro.
A conversa no bar foi interrompida abruptamente por dezenas de tiros. Tião, que já havia ouvido este som antes, imediatamente deixou o copo na mesa e correu para ver o que aconteceu. Os disparos parecem ter vindo da rua de cima, e ao chegar lá ele se deparou com os corpos dos sete amigos ensanguentados no pé do escadão. Um deles ainda se contorcia, com vida, seis já estavam mortos. Em questão de minutos carros da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a temida tropa de elite da PM, chegaram para recolher as cápsulas de bala.
Investigações posteriores provaram que a chacina foi planejada e executada pelo grupo de extermínio conhecido nas páginas policiais como Os Matadores do 18, numa referência ao batalhão onde os PMs envolvidos estavam sediados. Sete policiais foram presos acusados de participação na matança, que ficou conhecida como a 'chacina do escadão'.
Para o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em dezembro, as detenções arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres comuns no país hoje se devem também ao fato de que “as violações (…) verificadas no passado não foram adequadamente denunciadas, nem seus autores responsabilizados, criando-se as condições para sua perpetuação”.
De 2007 para cá, as ruas do bairro assistiram a uma sucessão de chacinas com dezenas de mortos, e a suspeita recai novamente sobre PMs matadores.
Fantasmas da ditadura
“Temos a polícia no encalço todo dia. Então vejo que a luta desses caras aí [guerilheiros homenageados nas ruas] não se encerrou. A ditadura continua aí. Eles lutavam por igualdade, liberdade e oportunidade para todos, e isso ainda está muito distante por aqui”, afirma o bancário Eduardo Rondino, 54. Mas, nem todos os moradores do bairro conhecem a história desses personagens, principalmente os mais jovens. “Para a molecada, é só mais um nome de rua como qualquer outro”, lamenta Tião, que já tentou influenciar a escola da região para que os alunos aprendessem quem são os nomes que batizam a área, sem sucesso.
Em 2014 os fantasmas da chacina de 2007 voltaram para assombrar os moradores. No dia primeiro de maio do ano passado, três atiradores armados com pistolas e metralhadora dispararam a esmo em quem caminhava na calçada da rua Padre Manoel Honorato. Era feriado, e havia um grande número de jovens no local. Dois deles foram mortos —os primos Lucas Otavio da Silva Lima, 17, e Matheus Jackson da Silva— e três ficaram feridos.
Semanas antes, no dia 16 de abril de 2014, outra chacina provocou protestos —reprimidos pela PM com violência e bombas de gás — no Elisa Maria: dois homens de touca, vestidos de preto, chegaram a pé à praça Sete Jovens, que homenageia as vítimas da chacina do escadão. Eles mandam os cinco jovens que estavam no local deitarem no chão e abrem fogo. O saldo foram três mortos: Igor Caique Silva, 17, Cleiton Martins de Oliveira, 18, e Marcos Vinicius de Oliveira, 22. Segundo moradores que não quiseram se identificar, o assalto à residência de um policial civil teria motivado a retaliação do grupo de extermínio.
“Faz parte do nosso cotidiano, por mais monstruoso que isso possa parecer”, diz o tatuador Émerson Ferreira de Lima, de 38 anos. “Em 2009 mataram dois amigos meus aqui na rua. Estávamos em uma lan-house e resolvemos ir embora. Ficaram para trás o André* e o Roberto* (os nomes foram alterados a pedido das famílias). Já em casa ouvi os disparos. Fiquei escondido atrás do portão vendo a cena", segue ele. Na lembrança de Lima, André morreu na hora, ao pé do Roberto, que seria atingido por um tiro disparado por um motoqueiro encapuzado. "Aí o cara ainda chegou perto e deu mais seis tiros nele. Em dois minutos chegou uma viatura (da polícia) e levou tudo embora.”
O relato do tatuador ecoa outros que apontam que a chegada de policiais costuma ser rápida nestas ocorrências. O objetivo é acobertar evidências que possam incriminá-los. “Isso sempre acontece nesses casos. Rapidinho recolhem tudo. Em uma situação normal, não. Outro dia uma senhora foi partida ao meio por um ônibus de manhãzinha. O corpo dela ficou no chão até o fim da tarde”, diz Rondino.
A ditadura está presente no nosso dia a dia. Se depender da PM e do governo estamos fodidos”
Os moradores do Jardim Elisa Maria não acreditam que a situação vá melhorar. “Sabemos que isso vai continuar acontecendo. E o que choca é que todo mundo conhece alguém que morreu numa situação dessas”, diz Valmir Rodriguez, 37, diretor de videoclipes. “A ditadura está presente no nosso dia a dia. Se depender da PM e do Governo estamos fodidos."
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar não quis se manifestar sobre os crimes mencionados.

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