quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A Visão da Mídia de Esquerda


A publicidade estatal e a transparência

Da revista CartaCapital:
A mídia nativa raramente fala de si, ao contrário do que acontece nas democracias maduras, onde os meios de comunicação, o “quarto poder”, vigiam-se uns aos outros. É um traço do oligopólio. Os erros são escondidos, os crimes protegidos (quem não se lembra da ameaça – “mexeu com a Abril, mexeu com todos" – de um dos Marinho ao governo caso a base aliada ousasse investigar as relações bandidas de jornalistas da Veja com o bicheiro Carlinhos Cachoeira?). Só se abre exceção quando se trata de perseguir uma obsessão do baronato, em especial da Folha de S.Paulo: tentar provar que veículos, blogs e sites não alinhados ao pensamento dominante são financiados de forma “bolivariana” pelo governo. É outro traço do oligopólio. Quem pensa diferente deve ser tratado como criminoso. Eliminado, se possível.
Em geral o empenho resulta em um tiro n’água. Aconteceu de novo. Os valores de gastos de publicidade das estatais apresentados pela Folha de S.Paulo nesta quarta-feira 17 falam por si só. Quem mais recebe, de forma abundante, desproporcional até, são eles mesmos, os barões. As Organizações Globo embolsaram entre 2000 e 2013 mais de 5 bilhões de reais em publicidade das companhias públicas, pouco menos de um terço dos investimentos públicos. Isso em um período em que a audiência da emissora despencou. O grupo é, aliás, um fenômeno mundial, único caso de uma empresa de comunicação que consegue elevar a sua tabela de preços enquanto perde telespectadores, ouvintes e leitores. Teria relação com a propina legalizada chamada Bônus de Veiculação (quanto mais anúncios programa em meios da Globo, maior a fatia do bolo capturada pelas agências de publicidade)? O BV é também ele um fenômeno único. Só existe no Brasil.
Listemos outros beneficiários do Bolsa-Mídia: Editora Abril, dona da revista Veja (523 milhões no mesmo período), TV Record (1,3 bilhão), SBT, que emprega Rachel Sheherazade (1,2 bilhão), Band (1 bilhão), IstoÉ (179 milhões). A revista Época entra na conta da Globo.
Uma outra informação talvez explique a mágoa da Folha. Entre o fim do governo Fernando Henrique Cardoso e este último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff, houve uma democratização da distribuição de recursos. O número de meios de comunicação que recebem investimentos de estatais passaram de 4,4 mil para 10,8 mil. Em resumo, os grandes grupos perderam participação relativa no bolo.
Agora compare os números do oligopólio com aqueles de CartaCapital, revista, segundo a Folha, alinhada ao governo (presumimos que a Folha e os demais sejam alinhados à Casa Grande, hoje representada pelo tucanato e associados, no passado recente pelos golpistas de 1964, a quem, diga-se, o jornal da família Frias serviu com denodo, a ponto de emprestar suas kombis para o sequestro de militantes de esquerda pela repressão). Em 14 anos, a Editora Confiança, dona de CartaCapital, recebeu 44,3 milhões de reais de todas as estatais. Isso equivale a 62 mil reais por edição. Impressionante. CartaCapital circula há 20 anos e é semanal desde 2001. Sua circulação nacional é auditada pelo IVC e a fatia de publicidade corresponde a sua posição no mercado. Tudo feito de forma transparente, clara.
Já não se pode dizer o mesmo das relações da Folha e do resto do oligopólio com o governo do estado de São Paulo. Quando governador, José Serra estabeleceu a compra sem licitação de lotes de assinaturas da Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo,Veja, Época e IstoÉ. Geraldo Alckmin manteve o mimo. Em 2011, segundo o Diário Oficial do Estado, o governo paulista pagou 2,58 milhões de reais por um lote de 5,2 mil assinaturas da Folha. Foram 2,7 milhões para o Estadão, 1,2 milhão para a Veja, 1,3 milhão à IstoÉ e 1,2 milhão à Época. Total: 9 milhões apenas em um ano. A renovação tem acontecido no mínimo desde 2008. Mas sobre isso, a mídia hegemônica prefere silenciar.
 
Mino Carta: Gigolette em Estocolmo

O governo enche as burras de quem bate nele dia e noite e não hesita em manipular, omitir, inventar e mentir
por Mino Carta — Carta Capital
A Folha de S.Paulo está de parabéns: na sua edição de quarta 17 provou que o governo federal tem acentuadíssima vocação para mulher de apache, a gigolette que gosta de apanhar do gigolô. Ou se trataria de uma forma aguda da síndrome de Estocolmo? De todo modo, a reportagem desdobrada a partir da manchete da primeira página demonstra, com precisão de teorema pitagórico, que o governo cumula de favores aqueles que o denigrem ferozmente dia após dia.
O trabalho em questão, de página inteira no interior da edição, informa que entre os anos 2000 e 2013 as Organizações Globo ganharam 5,2 bilhões em publicidade das estatais e a Editora Abril mais de 500 milhões. A Folha faz questão de dividir a mídia nativa em dois campos. De um lado, a maioria das empresas, reunidas neste canto sem maiores esclarecimentos. Do outro, as “empresas alinhadas ao governo”, encabeçadas pela Editora Confiança, que publica CartaCapital, Carta na Escola e Carta Fundamental. E nós não passamos de 44,3 milhões.
Dirá o desavisado: alinhados e mal pagos. Vale aqui, antes de mais nada, uma reflexão. Que significa alinhado? No governo de Fernando Henrique, não vimos a cor de um único, escasso anúncio de estatal. E como se deu a nossa sobrevivência nos oito anos tucanos? Teria nos socorrido o ouro de Cuba ou de Moscou?
Apoiamos a candidatura de Lula em 2002 e 2006 e a de Dilma em 2010 e 2014, de acordo com uma prática comum em países democráticos e civilizados. Apoiamos, de início, e confirmamos ao longo do tempo, por razões larga e frequentemente esclarecidas aos leitores. Os governos de Lula e Dilma são pioneiros na realização de uma política de inclusão social muito bem-sucedida e de uma política exterior independente dos interesses do império americano, ambas vitais para o País. Em outros pontos, no decorrer desses 12 anos, fomos críticos severos. Por exemplo, em relação a uma política industrial ineficaz. Ou à rendição aos transgênicos. Ou a toda e qualquer medida econômica embebida em neoliberalismo. Quanto ao PT, de pronto consideramos, e sublinhamos, que no poder porta-se como os demais.
Ao listar os pretensos alinhados e ao não qualificar os demais, a Folha nos atribui o papel de jornalistas de partido e com isso fornece outra prova: como sempre, obedece aos seus naturais pendores e, no caso, manipula a informação e omite a qualidade dos demais, alinhados de um lado só, guiados pelo pensamento único enquanto, hipócritas inveterados, declamam sua isenção, equidistância, pluralidade. Ou seja, inventam e mentem.
Vale entender que na visão de CartaCapital, o problema número 1 é a herança de três séculos e meio de escravidão a manter de pé, até hoje, a casa-grande e a senzala. Eis a primeira razão do atraso do Brasil. Desde a precariedade de Educação e Saúde oferecidas à maioria até a falta total de um Prêmio Nobel. Desde a atuação de juízes dedicados à política em vez de fazer justiça até os oligopólios midiáticos. Desde a Ficha Limpa de Paulo Maluf até o enterro da Satiagraha. E este é um aspecto capital: jornalões, revistões, televisões e quejandos são os porta-vozes da casa-grande. De resto, é do conhecimento do mundo mineral que os patrões da mídia nativa são moradores remidos do edifício colonial, daí a naturalidade dos seus comportamentos. Ideológicos? Pois é, ideológicos. E depois dizem que a ideologia morreu...
Ressalve-se que uma parte conspícua da chamada classe média fica um degrau abaixo do mundo mineral em matéria de conhecimento, mas é claro a olhos mais treinados que deste profundo desequilíbrio social, a contrariar mesmo o capitalismo domesticado, conforme a definição do professor Belluzzo, brotam o instinto de predação, a impunidade dos graúdos, e a vexatória peculiaridade da democracia à brasileira. Pois inovamos Montesquieu, temos aqui Executivo, Legislativo, Judiciário e Forças Armadas, o inesgotável poder militar. Há quem sugira um quinto poder, o Mercado, o qual, no entanto, infesta o planeta todo, cada vez mais imbecilizado.
Até agora não entendi por que o governo convocou uma Comissão da Verdade para esforçar-se à toa em busca da própria e descobrir ao cabo que, desde a saída, estava decidida a confirmação da dita lei da anistia imposta pela ditadura. O resto da humanidade não sabe que crimes cometidos contra o gênero humano prescrevem, como está a ser sacramentado por aqui, e sequer imagina que a democracia possa conviver com um tribunal militar, habilitado a condenar o próprio relatório da comissão convocada pelo governo.
Mas não há trégua para nossos padecimentos. Surge quem proponha julgar a justíssima causa dos resistentes à ditadura. É como sustentar que, terminada a Segunda Guerra Mundial, caberia na Itália esclarecer ao mesmo tempo as responsabilidades de Hitler e Mussolini, em um canto, e dos partigiani da Resistência no outro. Ou na França, de Hitler e de Petain, e dos maquis. Só falta imaginar que, à margem do riacho, o cordeiro merece ser investigado tanto quanto o lobo.
O Brasil vive não somente uma crise moral, mas também a da razão. Talvez prepare o caminho para outra, maior e fatal. Algo é certo: o Brasil não está maduro para o jornalismo honesto.

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