terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vamos Reinventar o Mundo

Vamos reinventar o mundo
Outubro de 2011

1. Estamos presenciando, neste ano de 2011, um deslanchar de lutas populares muito mais original, difuso e vigoroso do que qualquer outro que vivemos nas últimas décadas, inclusive o pós-Seattle, entre 1999-2001. Mobilizações políticas varreram  o  mundo  árabe,  já  derrubaram  vários  governos, permanecendo  em vários países. Indignados tomam as praças na Espanha e em outros países europeus. Occupy Wall Street se espalha pelos Estados Unidos, já começando a alterar o quadro político do país – uma pesquisa da Times de 13 de outubro mostra que o movimento tem a simpatia de 54% dos norte-americanos, contra 27%   do Tea   Party.   E  protestos   e   mobilizações   indígenas   que   vem   se desenvolvendo há mais tempo produzem uma grande efervescência na usualmente tempestuosa região andina, desbordando com suas demandas governos  nacionalistas.  Um  nível  inusitado  de  atividade  de  movimentos  de massas atinge também países como o Chile (com o protesto dos estudantes por educação  pública),  Israel  (manifestações  por  justiça  social)  e  o  conservador Japão (contra a energia nuclear). O dia de ação global de 15 de outubro, com manifestações em quase mil cidades de 82 paises evidenciou a força e a capacidade de ação deste movimento. A analogia que de imediato vem à mente, pelo espraiamento, é com 1968.
2. A indignação com as desigualdades e injustiças políticas e sociais parece ser a marca comum à grande maioria destes movimentos formados em torno de demandas difusas que questionam o “sistema” ou o “poder”, se confrontam com sua destrutividade  e  rompem  com  a  passividade  e  a  inércia  das décadas neoliberais. As políticas de austeridade prometem mais miséria para os anos vindouros e levam os jovens a se mobilizarem por seu futuro. Em todos os continentes, setores  antes  apáticos  se  colocam  em  movimento  de  forma bastante  democrática,  ao  mesmo  tempo  pluralista,  unitária  e  autônoma  em relação ao poder. A diversidade de demandas e pontos de vista é uma força destes  movimentos.  Uma  grande  desconfiança  em  relação  às  instituições econômicas  e  políticas  (e  também  aos  partidos)  marca  os  protestos,  quase sempre impulsionados por jovens sem perspectivas ou revoltados com o atual estado de coisas. E a grande imprensa já rotula estes movimentos de anti- capitalistas, embora uma definição deste tipo esteja longe de ser compartilhada por todos os seus integrantes. A difusão das mobilizações acaba fortalecendo todo tipo de dinâmicas de protestos a partir de referências específicas de cada região (como no Japão ou Bolívia).




3. Estas mobilizações e protestos ocorrem no marco de uma mudança significativa na situação mundial, na esteira da crise de 2007/8, contribuindo  para  aprofundar  alterações  geopolíticas (mais evidentes no mundo árabe), sócio-econômicas e, acima de tudo, políticas. São movimentos democráticos e populares que nascem das necessidades  e  aspirações  do  tempo  presente,  depois  de  três  décadas  de globalização neoliberal. São movimentos que efetuam uma ruptura profunda com o passado, suas organizações e tradições, movimentos que recusam as divisões ou enquadramentos decorrentes das clivagens da esquerda estabelecida. São movimentos que se desenvolvem a partir do uso das tecnologias da informação e da comunicação, das redes sociais e das práticas digitais das novas gerações – o que ajuda a entender sua conexão com o público mais amplo, sua sincronia mundial e seu rápido espraiamento global. São movimentos de jovens, de uma nova geração política que não conheceu o peso das derrotas vividas pelas gerações mais velhas e são afetadas pelos exemplos de experiências por vezes distantes. São mobilizações portadoras de valores humanos essenciais, perdidos nos anos neoliberais, como empatia pelo sofrimento alheio, solidariedade, defesa da igualdade, busca de justiça, reconhecimento da diversidade, critica da homogeneização mercantil do mundo, valorização da natureza – essenciais à reconstrução de um projeto contra-hegemônico. E são movimentos que embaralham ainda mais as já falidas clivagens geopolíticas herdadas do mundo bipolar pré-1991.

4. Há uma similitude entre o que se passa no terreno social e o que se passa na relação entre os estados, no terreno geopolítico. A crise da economia capitalista nos EUA, União Européia e Japão é estrutural; a manutenção de um certo crescimento dos emergentes parece indicar um declínio relativo do império norte-americano e um protagonismo crescente, vertebrado pela China, dos BRICS. Nos antigos centros imperialistas, se a austeridade alimenta a renascida conflitividade social, a decadência libera forças reacionárias, racistas e xenófobas. Mas, de conjunto, a passagem do unilateralismo de George W. Bush e do globalitarismo de mercado para um multilateralismo com diferentes matizes abre brechas para a retomada dos processos de transformação social. A manutenção das velhas relações de poder imperial ou as reações dos pólos capitalistas se dão – como já pudemos perceber no mundo árabe – contra os movimentos sociais e políticos progressistas. Mas é também inquestionável que na América do Sul, África e Ásia o poder de arrasto da China ainda dá algum fôlego a um certo desenvolvimentismo – em geral apoiado nas exportações de produtos primários. Embora profundamente predatório da biosfera, o crescimento econômico reforça a legitimidade de vários destes governos junto a suas populações. Mas nenhum pais pode ficar imune a uma onda mundial de mobilizações desta magnitude e cedo ou tarde a “aterrisagem” da economia chinesa arrefecerá o dinamismo dos emergentes.




5. Nada, no horizonte visível, indica que o impulso destes movimentos vá ser estancado. Sua raiz esta na crise e nas respostas governamentais  à  crise,  socializando  os  prejuízos  do  sistema  financeiro  e salvando bancos e especuladores (políticas de austeridade, corte dos gastos estatais, etc). No caso dos Estados Unidos, Occupy Wall Street emerge também, objetivamente, como um contraponto ao Tea Party e tende a ser estimulado pela esquerda  do  Partido  Democrata.  Os  movimentos  da  primavera  árabe  estão apenas no início de suas lutas – algumas já atingiram objetivos importantes, outras estão estancadas por violentas repressões do poder, outras ainda degeneraram ou tende a derivar para guerras civis e o movimento apenas relou na superfície da sociedade saudita. O mesmo pode ser dito da luta indígena na América  Sul:  a  demanda  chinesa  por commodities alimenta  a  invasão  dos territórios das populações tradicionais e a apropriação privada de bens comuns, o saque das riquezas naturais da região. Tudo indica que estamos apenas no inicio do primeiro tempo de uma conjuntura em que, depois das décadas neoliberais, diferentes sociedades voltarão a se colocar em movimento.
6. Nenhuma resposta efetiva parece estar emergindo dos poderes estabelecidos. A crise ambiental que assoma, em especial na questão do clima,  está  sendo  ignorada  pela  ONU  e  pelos  grandes  poderes,  não  será solucionada em Durban e arrasta a humanidade para uma cenário catastrófico, abrindo caminho para projetos delirantes de geoengenharia. A mercantilização da vida e a apropriação de parcela crescente da biomassa do planeta exerce uma pressão cada vez mais destrutiva sobre os diferentes ecossistemas e reduzem rapidamente a biodiversidade. O agravamento da crise social nas economias centrais e a indignação contra a desigualdade e a socialização das perdas do sistema financeiro não encontraram nenhuma resposta senão mais privatizações, neoliberalismo, intervencionismo em favor das finanças e a defesa cerrada dos privilégios por parte dos “senhores do mundo”, cuja face mais visível é a ideologia fascistizante do Tea Party. O avanço do extrativismo na América do Sul e da África, bem como a compra de terras, com seus impactos sobre os territórios dos povos indígenas e as populações tradicionais, continuará a alimentar as lutas de resistência que estes setores travam em defesa da natureza, dos bens comuns e de seu modo de vida. Tudo isso evidencia, para cada vez mais pessoas, que hoje é impossível enfrentar estas questões separadas de uma resposta global para um sistema que também é global e cuja crise atinge toda humanidade. Os manifestantes em Copenhague, durante a frustrada COP 15, diziam que se trata de “mudar o sistema para não mudar o clima”; podemos dizer que se trata de mudar o sistema para defender 99% da humanidade dos 1% que querem jogar sua crise sobre as costas dos demais.




7. Este parece ser um momento único para resgatarmos o sentido original do altermundialismo e do Fórum Social Mundial. Da mensagem do outro mundo é possível, focado no contraponto às instituições que governavam a globalização neoliberal, avançamos em Belém, em 2009, para a busca de alternativas ao desenvolvimentismo e ao consumismo a partir do terreno sócio-ambiental (em boa medida graças às contribuições dos movimentos das populações tradicionais da Abya Yala). Mas agora a luta social é oxigenada e enriquecida pelo movimento em busca de autonomia e controle do poder no mundo árabe (que reivindica sediar o FSM de 2013) e pelas vastas expressões da indignação com o capitalismo financeiro e as corporações na Europa e Estados Unidos. Se em 1968 se podia falar de uma revolução mundial – afinal frustrada – como convergência das lutas nos paises centrais, nos países dependentes e nas sociedades burocratizadas do Leste Europeu, agora podemos dizer que se outro mundo é possível, o será a partir da convergência destes atores aparentemente dispares, estimulando o encontro destes sujeitos políticos, favorecendo que criem um sentido de propósito comum, identidade e visão de futuro – como prometia (mais do que oferecia), há uma década, o altermundialismo. E esse encontro será ainda mais rico se conseguir também dialogar com a experiência das gerações políticas passadas da esquerda, em uma interação horizontal, sem imposições e preconceitos.
8. Caracterizamos a situação mundial, a partir do FSM de Belém, como de convergência de crises e crise de civilização. Não vamos, aqui, voltar a este debate. Precisamos apenas destacar que parcela importante dos movimentos atuais colocam em discussão nada menos do que o sistema, a globalização  neoliberal,  a  organização  capitalista  da  economia,  sociedade  e poder. E demandam não apenas a possibilidade abstrata de outro mundo, mas também a definição positiva de suas características e das estratégias de transição que podem conduzir-nos a ela, a partir de respostas concretas e imediatas à crise atual. Na Europa, vários movimentos da cidadania global estão falando de desglobalização, isto é, de menor dependência frente ao mercado mundial, resistindo à deslocalização de empreendimentos produtivos para a Ásia; há, em todo caso, sinais de um crescimento do protecionismo ou pelo menos da reversão das tendências liberalizantes. Há também uma demanda generalizada, entre os movimentos, para desinflar as finanças e voltar a enquadrar o mercado e o poder das corporações pela política, taxando fortemente os ricos e poderosos. Há igualmente um sentimento de desconfiança generalizada para com a representação política e os partidos políticos em favor da participação direta da base, de práticas horizontais, do uso das novas tecnologias para informação e deliberação democrática. Cresce a compreensão de que as mudanças são urgentes e terão que ser sustentáveis, social e ambientalmente, alterando a relação da economia com a natureza: o capitalismo e a cobiça que lhe é inerente estão devastando a natureza. E cresce também, por vários caminhos, a idéia de que a alternativa é uma dinâmica econômica voltada para dentro, nacional ou regionalmente, que só se sustenta amparada em uma grande redistribuição de renda (hoje mais concentrada do que em qualquer outro momento da história). Tudo isso é insuficiente como alternativa de sociedade, mas é um ponto de partida prático mais do que suficiente para aqueles que agora se colocam em movimento. E pode e deve ser enriquecido a partir do diálogo com as temáticas e propostas que vem sendo debatidas e acumuladas nos últimos anos, no processo FSM e em muitos outros espaços, até que finalmente se consolide uma nova linguagem política, capaz de articular um novo projeto de sociedade com vocação hegemônica.
9.  A Conferência  das  Nações  Unidas  sobre  Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em maio/junho de 2012, é um momento que oferece uma oportunidade única para a cidadania global visibilizar os dramas do mundo naquilo que tem de totalizantes, colocando- os no centro do palco da política mundial. Mas não devemos amesquinhar o horizonte da sociedade civil na Rio+20, trabalhando com uma visão  somente  de  resistência  e  denúncia.  O encontro  da  sociedade  civil  por ocasião do evento terá um resultado tão mais eficiente quando mais seja alimentado por uma aspiração utópica de mudança, capaz de inspirar todos os movimentos. Da mensagem do grupo articulador da sociedade civil da Rio+20 que convocou o seminário de junho, saiu a idéia “Venha reinventar o mundo na Rio+20”. Devemos reforçar este mote, construindo o encontro da sociedade civil no Rio de Janeiro, em maio e junho, como o encontro d@s indignad@s, das expressões dos povos originários e dos movimentos anti-sistêmicos de todos os quadrantes, capaz de afirmar uma saída para a crise, tirando daí diretrizes e campanhas globais. Mas sabemos, depois de mais de duas décadas de crise geral do socialismo, que isso só será efetivo se conseguirmos afirmar e transmitir um paradigma alternativa de sociedade, se construirmos um vocabulário comum capaz de articular as demandas difusas de grande parcela das populações. Preparar esta reflexão mais estratégica e programática para a Rio+20 deve ser – para  além  dos  encaminhamentos  mais  táticos  –  a  tarefa  do  Fórum  Social Temático “Crise capitalista, justiça social e ambiental”, que se reunirá em Porto Alegre entre os dias 24 e 29 de janeiro de 2012.
10. Este processo pode deixar, no caso específico do Brasil, como pais que sedia este processo, um legado – tão mais concreto quanto mais consigamos combinar as demandas globais com as lutas e demandas locais. A condição de anfitrião impõe para o governo brasileiro, se quiser desenvolver um protagonismo internacional no mundo multipolar que está se delineando, que cumpra certas lições de casa, abrindo mais espaços nos quais a pressão de movimentos e organizações sociais possam frutificar – não apenas dos brasileiros, mas também dos demais paises da região.
11. Nosso desafio central é hoje fortalecer e ampliar a atividade destes novos atores que se colocam em movimento e isso só é efetivo dentro do processo mais amplo, aberto e unitário. Isso torna a unidade, compreendida como algo que não elimina a diferença, essencial. Mas os encontros animados pela esquerda têm, no último período, ao contrário do que se passa com os indignados, resultado em divisões estéreis em quase todos os fóruns internacionais. Temos que resistir às tendências centrífugas que pesam sobre muitas organizações e movimentos. Temos que afirmar a centralidade da unidade em torno dos pontos a partir dos quais podemos marchar juntos e movermo-nos para outra correlação social de forças. É tendo um movimento extremamente, renovado, massivo e inspirador que a manutenção de seu avanço se tornará útil para todas as posições da esquerda – que buscarão disputar a adesão para suas posições particulares nos marcos deste campo político muito mais amplo. Lembremos que os pontos de unidade são hoje muito maiores do que os de divisão (questão social, ambiental, dos direitos, da política...). O ponto de clivagem que até agora emergiu nas discussões deste ano, a questão da economia verde, tem sido objeto de diferenças, em especial na América Latina, e é estratégico, mas neste momento incompreensível para boa parte dos movimentos  aos  quais  devemos  nos  dirigir  nesta  conjuntura. Mas,  quando tomamos a conjuntura internacional de conjunto, os pontos de unidade entre nós são incomensuravelmente maiores do que as divergências. E eles são a base que permitem fortalecer um movimento amplo das sociedades. Porto Alegre será, sem dúvida, um momento de aprofundar as discussões e clarificar acordos e divergências. Debates que terão sido estimulados de forma o mais articulada possível na França, durante o G20, em Durban, durante a COP 17. Esperamos que tanto Porto Alegre quanto o Rio de Janeiro acolham os indignad@s do mundo e sejam espaços para ampliar nossas lutas comuns.  Vamos reinventar o mundo!
José Antonio dos Santos da Silva
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"Com a proteção de Ogun não haverá nenhum perigo em nosso caminho".

PANTA REI = (TUDO MUDA)

Assistente Supervisor
Forever Living Producto Brasil
"Ubunto" é uma antiga palavra Africana, cujo significado é: "humanidade para todos".
Ubunto também quer dizer "Eu sou o que sou devido ao que todos nós somos".

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