terça-feira, 2 de novembro de 2010

Têmis

Têmis Envergonhada




A deusa Têmis, da mitologia grega, representava a justiça. Era filha do céu e da terra. Numa das mãos empunhava uma espada e na outra sustentava uma balança. A princípio morou na terra, porém, envergonhada dos crimes que nela se cometiam, refugiou-se no céu, onde foi colocada na parte do zodíaco que chamamos de virgem.(CF: Dicionário de Mitologia, de Luiz A . P. Victória – Ediouro, SP, 2000).



O leitor já deve ter observado que a justiça, ainda hoje, é representada por uma mulher assentada, com os olhos cobertos por uma venda e uma balança na mão. Pode até ser que tenha ficado amedrontado diante da estátua, pois ao ver a balança a gente nunca sabe de qual dos lados pesa o mal. Usando um certo eufemismo, pensamos que a venda nos olhos representa a neutralidade da justiça cujo fio da navalha corta imparcialmente sem beneficiar quem quer que seja. Os mais inocentes pensam que diante da justiça, pobres e ricos têm os mesmos direitos e oportunidades. Muitos, no entanto, já perderam essa virgindade do olhar, quando falam da justiça. Em uma de minhas conversas recentes, ouvi de um advogado o seguinte desabafo: “A justiça, padre, somente, acredito na divina”. Aquela expressão ficou martelando em minha cabeça para retornar agora em forma de artigo.



Temos assistido, ultimamente, muitos entraves que dificultam a ação da justiça. Vejam, por exemplo, o caso do massacre de Carajás. Como tem sido difícil achar os culpados pelo episódio (O episódio diz respeito ao massacre de 19 trabalhadores sem terra que aconteceu em abril de 96, no Estado do Pará, quando 1.500 trabalhadores bloquearam a rodovia PA-150, protestando contra o governo pela demora em assentar suas famílias. O confronto com a polícia deixou para trás, um rastro de dor e sofrimento).



A tomar pelo desânimo do advogado citado anteriormente, a justiça, naquele caso, nunca será feita. O que pode ocorrer é que alguns sejam punidos como “bodes expiatórios” do caso, para criar a sensação do dever cumprido. Esse tipo de sedativo costuma funcionar provisoriamente, mas enquanto isso, Têmis continua com os olhos cobertos. Às vezes, é bem melhor não enxergar para não ver certas coisas.



Em Pará de Minas, a deusa Têmis parece ter poucos devotos. Há menos de um ano, aconteceu por aqui uma tragédia e apesar de tão recente, o fato parece já ter caído no esquecimento de todos. No dia 02 de agosto passado, o corpo do ex-prefeito Ramiro Amaro, foi encontrado baleado no interior de seu apartamento. Apesar de situado no centro da cidade, ninguém viu nem ouviu nada. O fato veio a público somente após a confissão do envolvido. O que seguiu a partir daí foi um festival de informações desencontradas. A população até hoje não sabe ao certo as informações sobre o fato. Ninguém sabe se as contradições nos depoimentos foram apuradas, ou se o caso já foi dado por encerrado. De acordo com a Folha do Pará do dia 14 de agosto de 2001, o próprio delegado que chefiava as investigações do assassinato, admitia pontos obscuros e contradições na fala do depoente. Ainda não tive notícias que alguém tenha sido punido. Pelo visto, a sentença provavelmente sairá no ano de 2050. Não podemos nos esquecer que além de estar de olhos vendados, a deusa justiça está confortavelmente instalada numa cadeira...



Sócrates, filósofo grego, acreditava que as leis humanas fossem irmãs das leis divinas. Apesar de gostar muito do filósofo, nesse caso devo discordar dele. Após ver tanta morosidade e entraves que dificultam e emperram a aplicação das leis humanas, não posso acreditar que elas tenham irmãs que sejam perfeitas no céu. Não pode haver correspondência entre as leis humanas e as leis divinas. Enquanto as últimas são perfeitas e estão fora do tempo, as primeiras parecem envelhecidas e custam a caminhar. Talvez nem lhes funcionem as balanças e as espadas estejam enferrujadas. Na verdade, parecem caducas e ausentes. Caso contrário, onde estariam que não ouvem os clamores do sangue derramado? Será que além de cegas, a exemplo de Têmis, também estariam surdas?







Pará de Minas, 18/05/2002

Pe. Gabriel





www.diodiv.com.br











ver mais artigos

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sim