quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não Há Impedimento Á Caça do Javali

NÃO HÁ IMPEDIMENTO À CAÇA DO JAVALI

 
Pelo menos nos Campos de Cima da Serra, onde uma consulta ao Ministério Público resultou no retorno das práticas de controle do javali, pelo abate legal, não há mais impedimento à caça do javali, informa o deputado Francisco Appio. O Dr. Luiz Augusto Gonçalves, do Ministério Público, promoveu consulta à Procuradoria Geral de Justiça que respondeu aos questionamentos.
 
Com esta manifestação oficial do Ministério Público foi reaberta a caça na região dos Campos de Cima da Serra, onde a falta de controle populacional nos últimos 90 dias causou insegurança na área rural, pelos evidentes prejuízos advindo da disseminação dos animais.
 
Legislação anterior permitia o controle do javali, pelo abate legalizado, através da Instrução normativa 71, de 04 de agosto de 2005. A Instrução Normativa 71 foi inesperadamente revogada em outubro passado, provocando a revolta dos produtores, diante dos riscos e prejuízos da disseminação da praga.
 
Estes se organizaram em torno da AGAJA, ASSOCIAÇÃO GAÚCHA DE CONTROLE DO JAVALI ASSELVAJADO, presidida pelo Dr. Cassiano Bocchese, de Caxias do Sul.
 
Reproduzimos abaixo, a manifestação do Ministério Público.
 
1) O abate pode ser enquadrado em algum tipo penal, já que não é animal da espécie silvestre?
Há discussão na doutrina no tocante ao fato do animal exótico configurar espécie silvestre ou não, caracterizando o art. 29 da Lei nº 9.605/98. Dispõe o artigo: “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa”.
O § 3°do art. 29 afirma que “são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”.
            O art. 1º da Lei nº 5.197/67 estabelece: “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”.
 
            Já o § 7º do art. 24 do Decreto 6.514/08 define que fauna silvestre “são espécimes da fauna silvestre, para os efeitos deste Decreto, todos os componentes da biodiversidade incluídos no reino animal, pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras não exóticas, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo original de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro ou em águas jurisdicionais brasileiras. 
A celeuma consiste em definir se dentro do conceito aberto “e quaisquer outras” do § 3º do art. 29 da Lei dos Crimes Ambientais estão às espécies exóticas ou não.
Doutrinadores como Luís Paulo Sirvinskas[1], Eladio Lecey[2] e Ela Castilho[3] entendem que as espécies exóticas estão protegidas pela norma do art. 29. Gina Copola[4] não afirma expressamente se as espécies exóticas estão inclusas, mas refere que o sentido da norma é de proteger todas espécies pertencentes à fauna, assim o sendo, as exóticas estariam inclusas. Ainda, Paulo de Bessa Antunes aduz que “salvo melhor juízo, que a lei, erroneamente, definiu que todos os animais que tenham o seu ciclo de vida ocorrendo no território nacional, isto é, todos os animais existentes no Brasil, para os efeitos da lei, são considerados silvestres”[5].
         De outro lado, temos a doutrina de Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas[6] afirmando expressamente que a proteção penal não alcança os animais exóticos. Curt Trennepohl[7] e Édis Milaré[8] vão no mesmo sentido, dizendo que as espécimes exóticas não são elemento do tipo do art. 29 por não configurar “fauna silvestre”, todavia, poderia configurar o crime de maus-tratos, era. 32 da Lei dos Crimes Ambientais.
Cumpre a nós perquerir o sentido da Lei dos Crimes Ambientais, sua real finalidade. O sentido do art. 29 seria a “preservação do meio ambiente como um todo”[9], especialmente da fauna silvestre e aquática ameaçada ou não de extinção. Nas palavras de Carlos Ernani Constantino, o objeto jurídico do delito “é o equilíbrio ecológico advindo da necessária preservação de todos espécimes que, de um modo ou de outro, integrem fauna silvestre brasileira – sejam eles pertencentes às espécies nativas, às migratórias (de curtas e longas migrações) e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, ameaçadas ou não de extinção.”[10] 
Segundo Luis Regis Prado, “a biodiversidade e a natureza são os objetos da proteção legal”[11] da Lei federal nº 9.605/98. O doutrinador esclarece “para preservar esse importante recurso natural, a Carta Magna orienta sua proteção em três direções: a) pela vedação de práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, ou seja, o papel desenvolvido por uma espécie vegetal ou animal na manutenção do equilíbrio de um ecossistema[12].
Portanto, o objetivo dos tipos penais da Lei 9.605/98 é a proteção do ecossistema que deve se desenvolver de forma equilibrada. Ocorre que o javali, espécie exótica e invasora, tem se apresentado como verdadeira praga no Estado, causando uma série de danos ao meio ambiente nativo.
Conforme o Instituto Horus os impactos da introdução destes animais “indomáveis predadores” são os seguintes[13]:
 
Impactos ambientais
Competição com espécies nativas de porcos-do-mato e alteração do ambiente natural por fuçar, deslocando plantas nativas e alterando solos principalmente de brejos e beira de rios. Danificam as plantas da regeneração natural das florestas, causando sérios danos a longo prazo. Transmitem seis tipos de doenças, inclusive raiva, leptospirose e febre aftosa.
Impactos econômicos
Os javalis comem e danificam plantações e pastagens, também danificando cercas. É um predador voraz de filhotes de carneiro, galinhas, patos etc.
Impactos sociais
 
Impactos na saúde
Possui potencial para disseminar doenças a outros animais, domésticos ou selvagens. Transmitem seis tipos de doenças, inclusive raiva, leptospirose e febre aftosa.
 
Diante deste cenário, o controle destes animais introduzidos se faz necessário, que, conforme o mesmo Instituto pode se dar[14]:
Controle da espécie
 
Controle mecânico
A forma mais eficaz de controle é a caça destes animais, podendo-se inclusive fazer uso da carne.
Controle químico
 O envenenamento também pode ser eficaz porém, neste caso, a carne não pode ser aproveitada. O veneno recomendado é o 1080 em grãos, utilizado em iscas. É fundamental estar seguro de que outros animais não irão se alimentar da isca.
 
À luz dos dados técnicos trazidos vê-se que o javali é espécie da fauna que desequilibra o ecossistema gaúcho, portanto, não há razão que justifique a penalização da caça deste animal. Enquanto que a caça de javalis a fim de controle da espécie exótica invasora faz-se necessária, não deve servir de fundamento para práticas abusivas, justificando todo e qualquer ato (por exemplo, não permite a caça de outras espécies), pois o excesso e a ausência de razoabilidade nas ações humanas podem configurar o art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais.
 
Conforme a ecologia, a única causa que permite a mortandade de uma espécie animal é quando diante de parasitas diretos ou competidores, conforme lição de Odum:
“Acima de tudo, o estudo da ecologia sugere o dever de um sadio respeito por todas as formas de vida. Enquanto que os ‘mocinhos’ e os ‘bandidos’ podem ser facilmente reconhecíveis no palco, tal não se dá na vida real. Muitos organismos aparentemente inúteis podem tornar-se úteis. O homem deve pensar mais em termos de controle e utilização da natureza, e não em termos de extermínio total, exceto no caso de algumas espécies que são parasitas diretos ou competidores. Conservação do ecossistema em lugar da conservação desta ou daquela espécie parecer ser a atitude mais conveniente. A diversidade de formas de vida deveria ser encarada como um tesouro nacional e internacional”[15].
Assim o sendo, e considerando que o javali sus scrofa causa dano ambiental ao ecossistema local, conforme estudos técnicos e também devido ao constatado na prática riograndense, não é possível afirmar que a sua caça afronta a preservação do meio ambiente como um todo, não sendo objeto de proteção legal da norma do art. 29 da Lei 9.605/98.
Diante disso, parece-nos bastante complicado denunciar alguém pelo tipo penal do art. 29 da Lei 9.605/98, seja pela discussão doutrinária quanto a espécies exóticas configurar o crime do art. 29, seja pelo texto do Decreto 6.514/08, ou por ser o javali um animal exótico e invasor que causa sérios danos ao meio natural e endêmico do nosso Estado.

b) Que ilicitude comete quem caça?
         Segundo o IBAMA, por força do decreto 6514, art. 24º, § 7º e considerando que a IN 8 não previu expressamente que a caça é infração administrativa, não constitui infração administrativa a violação da IN 8/2010 do IBAMA. Isso significa que diante do IBAMA não haverá processo por infração administrativa.
 
c) Como deve se proceder quando encontrado javali abatido?
          O IBAMA refere que não precisa ser contatado, pois não haverá infração administrativa. Por outro, se não configurar crime ambiental (conforme entendimento exposto), também não há necessidade de chamar a PATRAM. Somente se adotado o entendimento de que configura crime é que o procedimento seria contatar a PATRAM.
 
Cordialmente,                                       Luiza Curcio Pizzutti.
 
 
 
 
Deputado Estadual Francisco Appio - www.appio.com.br
 


[1] SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 46.
[2] LECEY, Eladio. Crimes contra a fauna na Lei 9.605/98. Revista de direito ambiental, São Paulo, n.48, p. 88-101, out./dez. 2007, p. 91.
[3] CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Conceito de fauna e de animais nos crimes contra a fauna da Lei 9.605/98. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Direito ambiental em evolução. N.2 Curitiba: Juruá, 2000, p. 63.
[4] COPOLA, Gina. A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. P. 77, 79, 84.
[5] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 10.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 802.
[6] FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 73.
[7] TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente: multas, sanções e processo administrativo. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 151.
[8] MILARÉ, ÉDIS. Direito do ambiente: a gestão em foco. 5.ed. são Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 946.
[9] Freitas, Vladimir Passos de. & Freitas, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: (de acordo com a lei 9.605/98). 6ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.74.
[10] Delitos ecológicos: a lei ambiental comentada: artigo por artigo: aspectos penais e processuais penais - 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.113.
[11] PRADO, Luis Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: Revista dos tribunais, 2005, p. 229-230.
[12] Ibidem, p. 226.
[13] http://i3n.institutohorus.org.br/ver_especie_invasion.asp?id_especie=117
[14] http://i3n.institutohorus.org.br/ver_especie_manejo.asp?id_especie=117
[15] ODUM, Eugene apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 773.

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