quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Encontros com o Professor


A repercussão prazerosa da leitura

Ruy Carlos Ostermann
 
A frase que ficou dependurada em alguma forma de inquietação e dúvida foi um surpreendente elogio à experiência humana da conversação, reconhecida como o resultado inevitável da convivência: ler é mais importante do que escrever.


Foi o que se disse em meio à entrevista comigo e com o Humberto Gessinger, amarrando seus intrépidos cabelos louros, um movimento que, notei logo, servia para aumentar o espaço da conversação. Ou era, como fui capaz de perceber, o que sempre é matéria subjetiva e quase intransferível. Mas isso já é outro assunto.


Ler é quase como falar em silêncio, uma sonoridade para dentro que vai se ampliando a cada frase ou palavra, uma repercussão interna que vai para os olhos, para a boca, repassa para o peito, se desloca pelos braços e pelas pernas, e sossega de novo em silêncio, mas já sem leitura.

Há quem leia diferente, em voz alta, repicando as frases, dramatizando os diálogos, baixando quase a nada nas frases finais de encerramento do texto por sentida e solidária emoção. Mais ainda: leem sozinhos, numa sala apartada da casa. Uma plateia, por mais discreta que possa ser, acaba interferindo com o olhar, a surpresa da boca ou a inquietação dos cabelos e das mãos.

Escrever exige o mesmo respeito com o ambiente. Na redação dos jornais se escreve com ruído em torno, e até existem queixas procedentes de que há silêncio demasiado, uma vitória eletrônica do computador que, talvez por isso, é denunciada sem nenhuma pretensão mais de mudar o mundo.

Mas a escrita pessoal, que vem do fundo, e, às vezes, se torna imperiosa como manifestação do espírito requer um recato, algum silêncio e luz controlada. É bem mais demorada do que a leitura, menos prazerosa. Há escritores que quase perdem um braço na exigência de se expressar definitivamente, para sempre. Mas não são os únicos prejuízos pessoais da escrita.
 

Ler significa tudo de outra forma: os ferimentos espirituais e do inconsciente, as tristes e desconsoladas dores da alma, a tristeza e o abandono, os flagelos da imaginação desabastecida, tudo surge numa delicada experiência pessoal, sem autoria, na pura fruição do prazer, da surpresa e da comiseração. Ler é melhor mesmo. 

 

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