quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ruy Carlos Ostermann

Homem triste
Ruy Carlos Ostermann

Já não sei o que fazer, se faço uma doação dos livros, se escondo parte deles no sótão, se uso a garagem como exílio, se abro uma biblioteca pública com os de filosofia, ensaios e literatura, os de interesse mais estendidos. Admito que dramatizo um pouco, mas acontece que minha relação com os livros é muito pessoal, não me lembro de ter feito uma aquisição de olhos fechados e mão aberta. Sempre foi um pequeno ritual que começava antes, seguia seu curso de curiosidade até chegar a ele, o livro, na estante, na livraria, no sebo, no caixote. Sempre foi uma escolha pessoal.
Mas agora começo a me preocupar. Onde mais colocá-los? Há uma única parede pequena e entre duas portas secundárias, no andar de cima, que permitiria suportar uma estante a mais na casa. Talvez a dos livros de mais uso, dicionários, enciclopédia, gramáticas. Ou talvez só os livros raros.
Mas esses são bonitos demais para ficarem escondidos numa parte lateral da casa. Têm lombadas coloridas, são grossos e grandes, remetem para as mais sentidas e verdadeiras experiências de leitura, têm anotações, papeizinhos com registros e lembretes. São livros ainda mais pessoais, além de bonitos.
Já me consumo em noites e manhãs de triste e comprida contemplação do que poderei fazer um dia desses. Chega-se a certa idade em que se impõe uma consideração fria, mas verdadeira: não há mais tanto tempo para ler tudo que está na estante à espera. É preciso fazer escolhas e aí está outra dolorosa operação intelectual e afetiva a que é preciso se submeter. Dói como espetada de espinho sem flor.
Não peço conselho ao leitor, só a sua compreensão. Sou um homem triste.

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