|  “Crise é sistêmica e epicentro está nos EUA”, diz Moniz Bandeira  Segundo o cientista político, a situação da moeda estadunidense é pior        do que a do euro 
 28/07/2010 Renato Godoy de Toledo da Redação O cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira concedeu        uma entrevista ao Brasil de Fato acerca da crise na Europa. Moniz Bandeira        aponta que a crise europeia tem origem no sistema financeiro dos EUA e os        reflexos têm aparecido mais na Europa, até por conta de as agências de        avaliação de risco terem sede em Wall Street. Confira a entrevista abaixo. Brasil de Fato - A atual crise na Europa faz repensar se "valeu a        pena" a constituição da União Europeia? Dá para avaliar se a UE ainda        promove mais ganhos do que perdas para os cidadãos europeus? Luiz Alberto Moniz Bandeira - Não se pode discutir se “valeu ou        não” a constituição da União Europeia. Constituiu uma consequência natural        do desenvolvimento do capitalismo, decorrente de uma necessidade        histórica, tal como, na segunda metade do século XIX, processou-se        formação dos Estados nacionais, com a superação dos Estados pequenos, das        formas débeis de Estado, geradas na época da economia natural e da        economia simples de mercado, pelo Estado unitário. Essa questão eu exponho        detalhadamente em dois dos meus livros: “Brasil, Argentina e Estados        Unidos (Da Tríplice Aliança ao Mercosul)”, cuja 3ª edição a Editora        Civilização Brasileira acaba de lançar, e “Formação do Império Americano        (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)”, no qual demonstro que,        conforme Kautsky previra, a guerra mundial compeliu as potências        imperialistas a formar uma federação, e o capitalismo entrou em nova fase,        marcada pela transferência dos métodos dos cartéis, para a política        internacional, a fase do ultra-imperialismo, e a transferência das guerras        para a periferia do sistema. A crise da União Europeia é uma crise global,        cujo epicentro está nos Estados Unidos. Na sua opinião, quais são os principais motivos para a crise mundial        ter impactos mais duradouros na UE do que em países como o Brasil e até        mesmo os EUA? A economia capitalista mundial é um todo e não uma soma de economias        nacionais. Ela envolve não só as potências industriais, como também os        países em desenvolvimentos e os mais atrasados. Porém os impactos agora são mais visíveis na União Europeia em larga        medida devido à especulação das agências de classificação de risco, quase        todas ou todas sediadas em Wall Street e sob o controle dos bancos de        investimentos dos Estados Unidos. A crise na Grécia e em outros países da eurozona refletiu a        sobrevalorização do euro, devido exatamente à elevada desvalorização do        dólar, e isto dificultou as exportações dos países mais débeis como        Grécia, Irlanda e Portugal, em meio a outros fatores como        irresponsabilidade fiscal, descontrole dos gastos públicos, elevados        déficits orçamentários, déficit comercial, corrupção, inflação e        estancamento econômico. Daí que é difícil prever, devido aos seus múltiplos aspectos, inclusive        sociais e políticos. É uma crise sistêmica e, como disse, o epicentro está        nos Estados Unidos. O Brasil naturalmente tem problemas. Mas a rigorosa        política econômica e financeira do governo Lula, mantendo regidamente a        responsabilidade fiscal e contendo a inflação, concorreu para evitar que        sofresse maiores consequências da crise financeira global. Ademais o        Brasil somente exporta cerca de 13% de sua produção e diversificou, com a        sua política externa, os mercados no exterior. Atualmente exporta mais        para os países em desenvolvimento do que para a Europa e os Estados        Unidos, regiões mais diretamente afetadas pela crise.
 Esta crise        é a mesma crise de 2008? Em outras palavras, a origem da crise está na EU        ou no mercado financeiro internacional?
 A erupção da crise, que abala toda a eurozona (16 dos 27        Estados-membros da União Europeia e outros nove não-membros da UE que        adotam o euro), constituiu um desdobramento, a terceira etapa da crise        econômica e financeira deflagrada nos Estados Unidos, com a explosão do        mercado imobiliário, no primeiro semestre de 2007, quando grandes        corretoras, como Merrill Lynch e Lehman Brothers, suspenderam a venda de        colaterais, e em julho do mesmo ano, bancos europeus registraram prejuízos        com contratos baseados em hipotecas sub-prime. Em seguida, setembro de        2008, a crise atingiu o setor bancário, com a bancarrota e a dissolução do        Lehman Brothers, o quarto banco de investimento dos Estados Unidos. E        comprometeu e envolveu, finalmente, os próprios Estados nacionais. Levou a        Islândia, cujos bancos mantinham negócios num valor três vezes maior do        que o PIB do país, a uma virtual bancarrota, com reflexo sobre o Reino        Unido, seu principal credor. E, em fins de 2009, manifestou-se na Grécia,        ameaçando a estabilidade de toda a Eurozona, dado que vários países não        cumpriram as metas do Tratado de Maastricht para a unificação monetária,        entre as quais controle do déficit orçamentário (até 3% do PIB),do        endividamento público (até 60% do PIB).
 O fim do euro está em        debate na UE?
 Não está em debate o fim do euro. Sua instituição, como moeda única,        resultou da crise de câmbio estrangeiro que atingiu a Europa nos primeiros        anos da década de 1990, quando fluxos especulativos quase destruíram o        mecanismo anterior de taxas de câmbio "fixas mas adaptáveis". Há        problemas, naturalmente, que decorrem da moeda única adotadas por 16        países, cujas práticas políticas, leis, necessidades, dimensões econômicas        e governos são diferentes. Se cada um desses países ainda tivesse a sua        própria moeda nacional, poderia desvalorizá-la, se sua economia fosse mal        administrada, sem responsabilidade fiscal, e sofresse um ataque        especulativo. Porém, com a substituição das moedas nacionais, que os        próprios Estados nacionais podiam emitir, pela moeda única, o euro, a        desvalorização tornou-se impossível. É difícil, portanto, administrar uma        moeda única, sem um poder central, dado que a existência de assimetrias,        sobretudo econômica, e os governos nacionais podem tomar decisões        financeiras, em virtude de pressões sociais e políticas domésticas ou de        outros fatores. A perspectiva mais viável é a submissão dos Estados de        economia mais débil, como Grécia e Portugal, às políticas fiscais da        Alemanha e França, com a adoção de critérios rígidos de convergência, para        monitorar, sobretudo, as taxas de inflação, as finanças públicas e a        estabilidade monetária. E é preciso observar que o euro, instituído pelo        Tratado de Maastricht (1992), embora vítima dos especuladores, ainda está        mais valorizada que o dólar, moeda sem qualquer lastro, cuja tendência é        declinar cada vez mais. Enquanto o aumento das reservas oficiais em euros        cresceu 27% do total mundial em 2008, uma elevação de 18% em uma década,        no mesmo período, a parcela dessas reservas em dólares caiu de 71% para        63%. E o dólar, após desvalorizar-se 40% entre 2002 e 2008 e fortalecer-se        20% em relação ao euro, entre março e dezembro de 2008, durante a crise        financeira, voltou a cair 20%, entre março e dezembro de 2009, devido à        preocupação no mercado com a dívida externa dos Estados Unidos. A        revalorização do dólar apenas refletiu a crise da Eurozona. Foi        conjuntural. O dólar está estruturalmente debilitado pelos déficits fiscal        e cambial e pela elevada dívida externa líquida dos Estados Unidos. A        perspectiva é de que, mais dias menos dias, deixe a condição de única        moeda internacional de reserva, apesar da China e de serem os Estados        Unidos o centro do sistema capitalista mundial. Qual tem sido o papel de partidos de esquerda na Europa diante        dessa crise?
 Conforme o grande historiador Eric Hobsbawm        disse entrevista à agência de notícias Telam, da Argentina, “já não existe        esquerda tal como era”, seja social-democrata ou comunista. Ou está        fragmentada ou desapareceu. Não há contraste, não há virtualmente        oposição. As diferenças consistem somente no matiz dos partidos. Diversos        fatores econômicos e sociais produziram, sobretudo nas potências        industriais, certo esmaecimento das contradições políticas e ideológicas        entre os partidos políticos, cujas iniciativas, no governo, não muito        discrepam, na Alemanha, França, Inglaterra, muito menos nos Estados        Unidos, onde os Partido Democrata e o Partido Republicano, essencialmente,        pouco se diferenciam. O Estado de Bem-estar social corre o        risco de deixar de existir depois da crise, diante dos pacotes econômicos        de caráter neoliberal?
 A existência de poderoso exército industrial de reserva debilitou o        poder de negociação dos sindicatos, cuja articulação política, restrita        aos limites de seus respectivos Estados nacionais, não acompanhou o        desenvolvimento da organização transnacional capitalista, que permite às        grandes corporações, com subsidiárias nos novos países industrializados,        contar com amplos recursos para resistir às pressões e minimizar os        efeitos de qualquer paralisação do trabalho. O deslocamento da produção        para os países com níveis salariais mais baixos, as diferenças de        condições sociais e políticas, bem como dos níveis de organização        obstaculizam, por exemplo, o êxito da coordenação internacional de uma        greve, com o objetivo de paralisar, simultaneamente, todas as unidades de        produção da mesma empresa espalhadas por diversos países. E o poder dos        sindicatos foi ainda mais enfraquecido pela expansão do mercado global de        trabalho, com o aparecimento de 1,2 bilhão de novos trabalhadores e de        outros milhões dispostos a trabalhar por qualquer salário, para ter um        meio de subsistência. Porém, é muito pouco provável, difícil mesmo, acabar        totalmente com o Estado de bem-estar, em virtude de suas terríveis        consequências políticas, com a desestabilização dos regimes na União        Europeia e na Europa em geral.   Luiz AlbertoMoniz Bandeira é cientista político e        historiador     | 
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sim