quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ruy Carlos Ostermann



O passaporte da insensatez doméstica
Ruy Carlos Ostermann

E então, para por à prova todos os dispositivos domésticos de busca, faltou o xerox de uma página a mais do passaporte. Ele esteve em minhas mãos, no bolso e depois em algum lugar da casa, devolvido porque obtiveram dele todas as informações para que eu possa viajar, em junho, para a África do Sul. Isto é, para a Copa do Mundo, que tem especial significação para mim, não porque seja a primeira africana, mas, sobretudo, porque se trata, com alguma solenidade, da minha 12ª Copa do Mundo sucessiva.

Mas, o passaporte, esse livrinho verde com fotografia antiga e de cabelo grande, cheio de assinaturas e autorizações, com validade até 2011, ao menos, onde estaria?

Procurei nos esquecidos e deixados de uma gaveta muito especial do escritório, a que tem papéis, documentos, envelopes, pequenas pastas, cadernos de anotações. Nada. Há outros passaportes já sem validade, histórias passadas, viagens, lembranças, carimbos indecifráveis, mas este, não. Convoquei a Nilse e a empregada, que é uma mestra em busca de estropiados na casa. Em algum lugar, com certeza, estaria o passaporte largado pela incúria dominante da minha vida.

Já eram duas salas minuciosamente revistas, mesmo debaixo dos móveis, nos cantos infinitos de sala, sempre usada por uma metade. Desci a escadaria, verificando os vasos, saí no salão e lá fiquei, paspalho.

Desisti com o almoço, desconsolado, essa terrível sensação de ter de começar tudo de novo, e já sem tempo, talvez, para refazer tudo. Viajar não é sair para outro lugar, é afundar-se no mesmo, literalmente.

E, então, já de guarda baixa e curvo, a voz da Nilse, consoladora:

– Aqui está o passaporte.

Num recanto, no fim da doce curva, como sempre esteve, abandonado pela minha insensatez doméstica!

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