quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Angola

ESCRAVATURA, MEMORIA E EDUCACAO

ALUNOS E ESTUDANTES BRASILEIROS TERAO DORAVANTE UM DICIONARIO HISTORICO-CULTURAL DE RAIZ PREDOMINANTEMENTE “ANGOLANA”

Este precioso suporte, pedagógico, bibásico, tão desejado, acaba de ser publicado pelo inevitável investigador afro-carioca Nei Lopes, nas muitas engajadas edições Selo Negro, baseadas em São Paulo, a influente metrópole da imensa Republica federativa, sob o título « Dicionário Escolar Afro-Brasileiro ».


Selado em 174 páginas, sob um formato bem prático, este glossário contem mais de 2000 referências relativas, nomeadamente, a evolução histórica, as cristalizações antropológicas, os ganhos sociais e a luta política dos melano-brasileiros

A fim de sublinhar a importância deste repertório, o autor recorda, na sua introdução, suficientemente, serena, que o Brasil e o maior pais da América do sul, do ponto de vista da extensão geográfica. Esta realidade fará deste espaço, associada a grande febre mercantilista, provocada pela procura de minas e a cultura da preciosa cana-de-açúcar, um importante pólo de instalação da mão-de-obra negra.

Segundo ele, instalara ai, do inicio do século XVI ate aos meados XIX, mais de cinco milhões de trabalhadores cativos. Esses embarcarão, entre outros pontos, sob influência portuguesa, a partir das costas de África ocidental, oriental e austral, nomeadamente, Sao Tome, « a interminável cárcere insular dos congos e ngolas », Loango, Cabinda, São Paulo de Loanda, Benguela e do litoral moçambicano.

E assim que entre 1701 e 1810, cerca de 68% de entradas de escravos na infinita colónia lusa de América do sul, provenha dos entrepostos constituídos ao longo do litoral da sua irmã gémea, a actual Angola..

São essas fontes de abastecimento que cristalizarão o conceito de vagas migratórias coercitivas bantu em direcção ao Novo Mundo.

UNIVERSO DIBASICO

E, toda esta trama se reflecte, naturalmente, no perfil do repertório que propõe Nei Lopes ; configuração que expõe, por ordem alfabética, todo o universo dibásico afro-brasileiro, especificamente, as explicações sobre os lugares de embarque de escravos, os nomes e apelidos de grandes figuras históricas, de personalidades políticas e culturais, as designações dos diferentes instrumentos de imobilização, humilhação, correcção e tortura, os distintos processos e formas de luta, as iniciativas de adopção por arrependimento de crianças negras, as principais expressões religiosas e artísticas, os suportes organologicos e as receitas culinárias.

Encontra-se, aí, também, esclarecimentos sobre dezenas de etnónimos e topónimos, designações de negros brasileiros que regressaram na Afrikiya, as práticas de novas formas de escravatura, as opções estéticas, as escolhas indumentárias, etc.

Estabelece-se, na colectânea, centenas de conexões bantu através de comentários tais como os sobre o sítio de carregamento de Ambriz, principal porto de exportação de congos, ngolas, matambas, mundongos e cassanjes em direcção do Brasil, nos anos 1830, os da animalizante trata clandestina, os etnónimos Monjolo ou Anjico, Ambundo ou Bundo, Rebolo, Bailundo, Benguela ou Banguela, Cunhema, Mocambique, Munhambanas, Macua, Quilumana e Quiloa, os chefes rebeldes de Palmares, do século XVII, Andalaquituxe e os da famosa Baixa Fluminense, Joaquim Congo, Joao Mofumbe e Jose Benguela e do território livre de Angola-Janga, nome africano do quilombo de Palmares.

O mítico Andalaquituxe instalou-se na colina de Cafuxi, a 180 km ao nordeste da capital de Alagoas.

As junções com as civilizações de África central, oriental e austral são, igualmente, anotadas nas graves depressões, muitas das vezes, suicidárias, que padeciam os africanos oprimidos no Novo Mundo. Nei Lopes retêm, a este efeito, no seu conjunto lexical, o termo banzo.

SINONIMIA

Os alunos e estudantes brasileiros encontrarão, também, no Dicionário, dados sobre o famoso falar semi- creolizado de Cafundo, ainda hoje em uso na comunidade residual de um antigo quilombo, situado no Estado de São Paulo. Certificou-se que este idioma resulta, em primeira análise, do bloco bantu, constituído do kikongo, kimbundu e umbundu.

Terão informações, igualmente, sobre o persistente e multi-significativo termo kalunga, na sua declinação de negro ou na sua sinonímia de camundongo, na sua aceitação etnónimica em Goiás ou a designando o falar a base bantu na região do Triangulo Mineiro e do Alto Paranaibá, mas analogamente, o cortejo de maracatu ou simplesmente, na sua consideração etimológica como infinito ligado ao mar, céu e morte.

Os jovens leitores aprenderão que o termo Cambinda, alem da sua utilização como etnónimo, designa, igualmente, os cultos de origem africana de Maranhão, práticas essencialmente em uso na região de Codo. E aplicado, também, nos maracatus da costeira Pernambuco.

Reterão que o sucessor do chefe do célebre movimento insurreccional de Palmares, no fim do século XVII chamava-se Camuanga, originário, provavelmente da região dos dois rios, adjacentes a grande cidade de escravos, São Paulo de Loanda, o Icolo e o Bengo.

Três dos quilombos desta zona de ruptura eram denominados, Quissama, Quiluanje e Engana-Colomim.

Outros dirigentes revoltosos foram Curuncango, que liderou uma sedição no século XVII, no Estado de Rio de Janeiro e Zundu, a Campo Grande, no Estado de Minais Gerais, morto no combate em 1757.

A forte presença dos cativos ngolas e atestada com a previsível inserção da mártir a resistência a tirania esclavagista, Constância de Angola, que viveu na região de Cricare, no Estado de Espírito Santo e a, nesta mesma zona, de Zacimba Gaba (1675 – 1710), originaria de Cabinda, líder quilombola a São Mateus.

CHTHONIANO

Esta, igualmente, confirmado, nesta região, a prática de uma antiga festa popular, o cucumbi ou ticumbi, retiro pré-nupcial, hoje ainda praticada na área loango, em Cabinda e nas zonas vizinhas dos dois Congo e do Gabão. Na Bahia, esta cucumbi, certificada desde 1757, e também designada por maculele.

Nota-se no « Dicionário », importante facto revelador da invariável vontade de reapropriacão da cultura africana no Brasil, que vários artistas afro- brasileiros adoptaram apelidos vindos da contra costa. E assim que o violonista e compositor carioca Ernesto Joaquim Maria dos Santos fazia chamar Donga, no sentido bantu de mobilizador de multidão.

Nei Lopes, autor dos reputados dicionários bantu do Brasil e de « Bantos, males e identidade negra», teve a inteligência de incluir na sua obra nomes de investigadores que se distinguiram nos estudos afro-brasileiros. E o caso do historiador de Bahia, Edison Carneiro, autor, em 1937, do clássico « Negros Bantu ».

A juventude brasileira consignara, ainda, as dezenas de estilos, cantos, ritmos e coreografias de origem africana, o lundu – que influenciou o fado português - os vissungo, work-songs, e o jongo, dança de essência religiosa, originaria, segundo o terminólogo, da região de Benguela.

Constatara os tratamentos, absolutamente, inumanos infligidos aos cativos africanos, com termos tais como libambo, designação de origem bantu, designando a chthoniana gargantilha.

Homem de cultura, particularmente prolifico, Nei Lopes, pesquisado dotado de uma grande sensibilidade didáctica, concretizou, sozinho, pela decisiva contribuição que constituiu o « Dicionário Escolar Afro-Brasileiro », a vontade do Governo Federal, de inscrever a história e a cultura africana e afro-brasileira, nos programas escolares do pais.

O bantuista carioca ultrapassou, mais uma vez, graças a esta obra, os « Académicos », e consolidou o seu enorme prestígio junto de professores, a todos níveis, da Segunda Potencia Negra do Mundo, esta “Angola deslocada”.


Par Simao SOUINDOULA

Vice-presidente do Comité Cientifico Internacional

do Projecto da UNESCO « A Rota do Escravo »

C.P. 2313 Luanda (Angola)

Tel. : + 244 929 74 57 34




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