segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uma guerra quase Civil no Rio de Janeiro



19 de outubro de 2009 | N° 16129AlertaVoltar para a edição de hojeA GUERRA DO RIO
O medo renasceNo começo do mês, um Rio de Janeiro de beleza, sol e alegria, filmado pelo cineasta Fernando Meirelles, encantou o Comitê Olímpico Internacional e assegurou a escolha da cidade para os jogos de 2016.

Neste fim de semana, foram imagens de um Rio feito de desespero e morte que correram o mundo – o Rio em guerra de outro filme do mesmo Meirelles, o violento Cidade de Deus.

O sangue que correu no sábado e no domingo estancou a euforia que havia tomado a cidade desde sua escolha como sede da Olimpíada e levou o Brasil a encarar uma tragédia. Os mesmos cariocas que saíram às ruas para comemorar, duas semanas atrás, trancaram-se em suas casas, atemorizados. Lá fora, uma guerra acontecia. Traficantes rivais lutavam por territórios.

A polícia pôs 4 mil homens na rua para uma batalha que durou todo o sábado e se estendeu até o domingo. O saldo foi a morte de pelo menos 16 pessoas e atentados contra 10 ônibus. No episódio mais trágico e surrealista do fim de semana de horror, um helicóptero da Polícia Militar foi abatido por artilharia pesada, matando dois ocupantes. O resultado da perícia ainda não saiu, mas o secretário da Segurança, José Beltrame, admite a chance de que um disparo de munição antiaérea tenha derrubado a aeronave.

– Tiro a gente ouve toda hora, mas ontem foi anormal. Parecia o Oriente Médio – definiu um morador, o aposentado Roberto César.

Os eventos do final de semana mostraram que a cidade que serve de orgulhoso cartão-postal do país é também a chaga aberta da nação, metade civilização, metade barbárie. A imprensa internacional reagiu de imediato aos fatos, ligando a guerra civil carioca à recente escolha como sede olímpica – e colocando sob suspeita a condição do Brasil de oferecer segurança durante o evento. O The New York Times, jornal mais influente dos Estados Unidos, fez os cálculos e lembrou ao mundo que os combates ocorreram a apenas oito quilômetros de futuros espaços olímpicos.

A mesma ideia emergiu no velório dos policiais que tombaram no sábado. Rosa Maria Barbosa, tia de Ednei Canazarro, carbonizado na queda do helicóptero, atacou as autoridades:

– Armam todo esse teatro para os Jogos Olímpicos e não dão as condições necessárias para nossos policiais trabalharem.

A cobrança mundial por segurança na cidade foi recebida pelas autoridades com garantias de que a situação não fugiu do controle. O secretário de Segurança do Rio, o gaúcho José Mariano Beltrame, garantiu que a batalha do final de semana foi um ato de desespero dos traficantes, por causa da perda de espaço. Questionado sobre a possibilidade de confrontos semelhantes durante a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos, nem quis conversa:

– Não vai acontecer.

Estado recusou uso da Força Nacional

O terror do final de semana foi apenas mais um dos incontáveis afloramentos de violência extrema a que o Rio se habitou. A cidade vive um absurdo cotidiano, incorporado à paisagem, no qual criminosos com armamento digno de exércitos controlam áreas inteiras e provocam matanças periódicas, enquanto a população trata de levar sua vida de sempre, indo à praia e bebendo nos bares da Lapa.

A capacidade de não ver a realidade, abalada apenas em circunstâncias extremas como as do final de semana, é o que mais choca forasteiros como Jon Lee Anderson, um dos jornalistas mais celebrados dos Estados Unidos, que acaba de publicar na revista The New Yorker reportagem sobre o domínio das facções criminosas no Rio. Em entrevista ao jornal O Globo, ele chamou a atenção para a cegueira coletiva.

– Acho que a situação do tráfico não é vista como uma calamidade nacional. E, no meu ponto de vista, é o que o Rio é: uma calamidade nacional. Há gangues fora de controle em muitos territórios. Isso é uma perversão da normalidade.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Wadih Damous, foi uma das vozes que se ergueram para denunciar o fenômeno detectado por Anderson. Ele afirmou não ser mais aceitável que a cidade tenha territórios demarcados por bandidos e cobrou investimentos em saúde, educação, emprego, saneamento básico e segurança pública nas áreas mais pobres – as que acabam nas mãos dos bandidos. Para o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, o Estado paralelo que governa parte da Cidade Maravilhosa “humilha, mata e explode os alicerces da República”.

Resta a esperança de que, se a humilhação não puder, ao menos o medo de não fazer feio na Copa e os Jogos Olímpicos produza uma mudança. O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que estão em andamento programas de prevenção que deixarão a cidade em melhores condições para ser sede dos eventos. Tarso ofereceu a intervenção ao Rio da Força Nacional de Segurança, mas o governo fluminense respondeu que não há necessidade.



ZERO.HORA.COM
Em gráfico, entenda como começou o conflito no Rio de Janeiro
O Rio em guerra
OUTUBRO DE 2002
- Na madrugada do dia 17, um grupo de criminosos ataca a tiros o Palácio Guanabara, sede do governo do Estado. Também são alvejados uma delegacia e carros das polícias Militar e Civil. Os bandidos atiram ainda uma granada na entrada de um shopping na Zona Sul.
FEVEREIRO DE 2003
- Na véspera do Carnaval, traficantes espalham terror por 22 bairros do Rio de Janeiro e outras quatro cidades. Três bombas caseiras explodem na Avenida Vieira Souto. Um batalhão e uma cabine da PM são alvos. Em três dias de conflitos, 36 ônibus, oito carros e um caminhão são incendiados.
MARÇO DE 2005
- Vinte e nove pessoas são executadas na noite de 31 de março em dois municípios da Baixada Fluminense. Entre as vítimas, há crianças, adolescentes, mulheres e homens. A chacina é uma retaliação de PMs, intimidados por investigação de envolvimento de agentes da corporação em crimes.
MARÇO DE 2006
- Durante nove dias, soldados do Exército ocuparam 10 favelas do Rio. A operação foi motivada pela busca de 11 armas roubadas de um quartel. Houve combates violentos, esburacando de balas as casas das comunidades. Com a saída dos militares, reapareceram os traficantes.
Fonte: Yahoo

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