segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O Estado de São Paulo

O ESTADO DE S. PAULO, domingo, 18 de outubro de 2009, 03:22

Um sinal verde para o campo
Políticas fundiárias que atravessem o séc. 21 terão de plantar e semear o tema da sustentabilidade

Marcelo Pedroso Goulart* - promotor publico, em Ribeirao preto, SP


O padrão de produção agrícola hegemônico no Brasil descende da 2ª Revolução Agrícola e baseia-se no tripé latifúndio, monocultura e agroquímica. Causa graves impactos socioambientais: a redução da biodiversidade pelo desflorestamento para a implantação da monocultura, a contaminação das águas e do solo por meio do uso excessivo de agrotóxicos, o uso intensivo de água, a compactação do solo em razão do tráfego de máquinas pesadas, o assoreamento dos corpos d"água devido à erosão do solo em áreas de renovação de lavoura, o lançamento de gases tóxicos e materiais particulados na atmosfera durante a queima de pastos, de florestas e da palha da cana-de-açúcar, a pressão sobre os cerrados e as florestas tropicais decorrentes da expansão forçada da fronteira agrícola para a produção de alimentos, a superexploração do trabalho, desemprego, intensa migração nos períodos de safra, êxodo rural, aumento dos conflitos fundiários e uma urbanização caótica. Concentra a propriedade da terra, com a incorporação dos pequenos e médios imóveis rurais pela grande empresa agrícola monocultora. E, ao concentrar propriedade, também concentra renda, riqueza e poder político.

Os beneficiários desse modelo predatório de agricultura determinam a pauta dos centros de difusão ideológica, produzindo uma espécie de pensamento único para o campo. É um modelo que não se coaduna com as sociedades democráticas: por isso é preciso mudá-lo. As forças sociais progressistas exigem uma agricultura sustentável que seja ecologicamente equilibrada, economicamente viável, socialmente justa e culturalmente apropriada. O novo modelo pressupõe a diversificação de culturas, a utilização racional dos recursos naturais e a mínima produção de impactos prejudiciais ao ambiente. Deve proporcionar retornos econômicos ao produtor, amoldar-se às características históricas e culturais do povo e garantir soberania e segurança alimentar, contribuindo para a erradicação da pobreza.

A implementação desse padrão de produção agrícola passa necessariamente pela mudança da estrutura fundiária, com a desapropriação dos grandes imóveis rurais que não cumprem sua função social. Impõe, portanto, a execução de uma política de reforma agrária séria e consequente.

A base jurídica dessa política está na Constituição Federal, que proclamou o direito fundamental à propriedade, a garantir a universalização do acesso à terra. Mais: nossa Lei Maior condiciona a proteção jurídica da relação de propriedade e da posse ao cumprimento da função social. Isso quer dizer que sobre a relação de propriedade incide o interesse de proteção do sujeito-proprietário, mas também incide o interesse difuso da sociedade em obter benefícios sociais decorrentes do cumprimento da função social.

A função social do imóvel rural é constituída por elementos de natureza econômica (aproveitamento racional e adequado), ambiental (utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente) e social (observância das normas que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores). A relação de propriedade que tenha por objeto o imóvel rural deve garantir, no seu desenvolvimento, a observância simultânea de todos os seus elementos, sob pena de, desatendendo a um deles, descumprir a função social, deslegitimar-se politicamente e perder a proteção jurídica. Por isso, o grande imóvel rural que não está cumprindo a função social é suscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. Ainda que a produtividade, do ponto de vista estritamente econômico, esteja presente, o imóvel rural poderá ser desapropriado se descumprido um dos demais requisitos caracterizadores da função social.

Em tempos de aquecimento global e de riscos concretos de destruição do planeta, a temática ecológica apresenta-se como fator determinante das políticas agrícola e agrária e, portanto, deve orientar com primazia a avaliação do cumprimento da função social do imóvel rural. A degradação ambiental - seja ela provocada pelo mau uso dos recursos naturais ou pela não preservação do meio ambiente - produz evidentes prejuízos ao aproveitamento racional e adequado da terra. Há, portanto, vinculação entre os elementos econômico e ambiental da função social, sendo impossível dissociá-los.

Inicia-se neste país um movimento promissor que busca as desapropriações para fins de reforma agrária dos imóveis rurais que apresentam elevado passivo ambiental. Partindo dessa premissa e no diálogo entre a luta social e atuação institucional, estão em fase de implantação, em áreas desapropriadas da região de Ribeirão Preto, SP, assentamentos de novo tipo cujas bases são construídas democraticamente entre assentados, Incra e Ministério Público e consolidadas em planos de desenvolvimento sustentável e compromissos de ajustamento de conduta que, entre outras coisas, preveem: o tratamento conjunto dos fatores econômico, sociocultural e ambiental, a organização coletiva e cooperada da produção em sistemas agroecológicos, o controle biológico de pragas e doenças, a produção orgânica de alimentos, a destinação de 35% da área total do imóvel para reserva legal, a recomposição arbórea das áreas ambientalmente protegidas e medidas protetivas da área de afloramento e recarga do Aquífero Guarani.

Uma reforma agrária determinada pelo fator ambiental é o paradigma que se apresenta para o século 21. É preciso que o governo cumpra sua parte, destinando recursos para sua efetiva implementação.



*Promotor de Justiça no Estado de São Paulo e ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático



Entrevista – Carta Capital – João Pedro Stedile/MST – 17/10



Entrevista concedida por correio eletrônico por João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, à repórter Cynara Menezes, da Revista Carta Capital. A entrevista foi publicada editada na edição desta semana da revista. Abaixo, a versão integral das respostas.



1. Como o sr. avalia a ação do MST na fazenda Cutrale? Foi um desastre ou um sucesso?



A Cutrale comprou de um grileiro uma área que pertence à União. Havia um processo do Incra de reintegração de posse na Justiça, que ainda está em julgamento. Há na região mais de 200 mil hectares grilados por empresas, algumas das elites paulistanas. O Incra já recuperou cerca de 20 mil hectares fez assentamentos. Os companheiros de São Paulo ocuparam a fazenda para denunciar e acelerar a resolução dessa situação. A destruição dos pés de laranja foi um erro. Porque isso deu margem para que o serviço de inteligência da PM, articulado com a Globo, se demonizasse o MST. Depois que a Cutrale começou a monopolizar o comércio de laranjas em São Paulo, milhares de pequenos e médios agricultores tiveram que destruir de 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais no estado. Mas a Globo e o helicóptero da PM não se importaram. Quanto às imagens de depredação e furto, é mentira! As famílias não fizeram nada daquilo. Foi uma armação entre a Policia e Cutrale depois da saída das famílias. Em seguida, chamaram a imprensa. Desafiamos organizarem uma comissão independente para investigar quem desmontou os tratores e quem entrou nas casas dos empregados.



2..O MST fala que não faz parte dos procedimentos do movimento a depredação de patrimônio, mas há três semanas depredou o prédio do INCRA em Porto Alegre... Como isso se explica?



Somos contra esse tipo de prática. E só ocorre quando tem infiltração ou é feito pelos serviços de inteligência. Ou por desespero. Lá em Porto Alegre aconteceu a mesma coisa. Os ocupantes saíram do prédio e limparam as instalações. Concentraram-se no pátio para fazer uma Assembléia. Nesse período, o serviço de inteligência da Brigada Militar fez o serviço de depredar as salas. Aí chamaram a imprensa. Chegaram a roubar um caderno de um militante, com anotações pessoais e depois entregaram para Zero Hora. A Brigada militar tem uma tradição de infiltração no movimento, que vem desde a Encruzilhada Natalino, reconhecido pelo próprio coronel Cerutti, hoje aposentado, que se orgulha de ter se infiltrado naquele acampamento.



3. O sr. não acha que, após enterrar uma tentativa de CPI há poucos dias, a ação na Cutrale não aconteceu em um momento no mínimo inconveniente para o movimento?



Os ruralistas e os que são contra a Reforma Agrária manipulariam qualquer atividade que o MST fizesse para tentar ressuscitar a CPI. Tanto é que as imagens foram gravadas pela PM uma semana antes de ir para o ar. Somente utilizaram quando havia um clima político. A CPI está na verdade no centro da disputa entre dois modelos para agricultura. E está sendo utilizada pelos reacionários ruralistas para conturbar o cenário eleitoral. Eles esperam com a CPI constranger o governo e condicionar as próximas candidaturas a não apoiar a Reforma Agrária. O deputado Caiado foi claro quando disse que o objetivo da CPI era impedir que o governo repassasse dinheiro para o MST fazer campanha para Dilma. Essa afirmação seria ridícula se não partisse de mente tão insana, que durante anos organizou a UDR para esparramar a violência no campo, em nome da defesa da propriedade e da tradição.



4. O Sr. não acha que ações como essa desfavorecem a imagem do MST?



As manipulações que são feitas pelas televisões e grandes jornais claro que afetam a imagem do Movimento. E é justamente esse o objetivo deles: tentar desmoralizar os que lutam por mudanças sociais e pela Reforma Agrária. Eles usam a imprensa para manter seus privilégios, manter a concentração da propriedade e o atual status quo. Não é por nada que, embora o Brasil seja a 9ª economia do mundo em produção de riquezas, está em 75º lugar em indicadores de condições de vida da população. É a 7ª pior sociedade em desigualdade social. Esse é o papel de uma imprensa também concentrada em sete grupos. Eles sabem que, para uma sociedade ser democrática, é necessário democratizar a terra, os meios de comunicação e o Poder Judiciário. Por isso, nos atacam tanto, assim como atacam todos que fizeram e fazem luta social no Brasil.



5. Quem apóia o MST hoje? Me parece que o movimento está com pouco suporte na sociedade atualmente, não?



O MST tem um amplo apoio dos trabalhadores e da imensa maioria da população brasileira. Tem apoio da intelectualidade esclarecida e das igrejas. Acabam de fazer um manifesto com mais de 3 mil personalidades, juristas e intelectuais em nosso apoio. A mídia e os 5% mais ricos nos odeiam. Mas isso é natural, faz parte do seu poder.



6; Quantas famílias de acampados ainda há no país?



Há em torno de 100 mil famílias acampadas em todo o país. Algumas há mais de seis anos, como essas que ocuparam a Cutrale.



7. O MST teme uma CPI ou não há o que esconder?



O MST não teme a CPI. Mas estranhamos tanta perseguição contra nós. Depois que o Lula chegou ao governo, já fizeram duas CPIs que nos investigaram. E nada comprovaram. Por que não fazem uma CPI para analisar os mais de R$ 200 milhões recebidos, por exemplo, pela entidade Alfabetização Solidária dos tucanos? Por que não fazem uma CPI para ver aonde foi R$ 1 bilhão que as entidades patronais dos latifundiários receberam nos últimos anos. Por que não analisam como são gastas as verbas publicitárias dos governos estaduais? Por que não fazem CPI para analisar as causas dos verdadeiros problemas do povo, como a violência nas cidades, a falta de escola, o baixo nível do ensino, o déficit de 10 milhões de moradias, a falta de emprego, as contas em paraísos fiscais das empresas. Por que não analisam os efeitos perversos da Lei Kandir para os estados produtores primários?



Destruir pé de laranja é crime, atirar em índio, não

Por Leonardo Sakamoto

Sempre defendi neste espaço a ocupação de terras improdutivas, irregulares ou que são usadas para a exploração da dignidade alheia como instrumento de pressão popular. Quem acha que a propriedade privada está acima de qualquer coisa, procure outro blog. Mas em um momento em que coiotes no Congresso Nacional tentam criar uma CPI contra o MST para, entre outros objetivos, barrar a atualização dos índices de produtividade (o que faria com que as terras usadas para especulação fossem desapropriadas, tendo uma melhor destinação) dar munição aos conservadores da imprensa e aos caninos-congressistas soa fora de hora e desnecessário.
Porque quem tem acesso à opinião pública não vai ficar preocupado em se debruçar sobre os crimes cometidos pela empresa em questão e sim em colocar na mesa mais uma justificativa, ainda que infundada, para criticar a luta pela reforma agrária. As imagens dos pés de laranja derrubados têm ecoado na mídia da mesma forma que as mudas de eucalipto retiradas em uma ação do MST, anos atrás, no Rio Grande do Sul. Por mais que as presenças de ambas as plantações sejam irregulares, é difícil explicar para a maioria da população que a laranja, que é comida, teve culpa na história.

Agora, considerado isso, o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e o presidente do Incra, Rolf Hackbart, se disseram chocados com a “grotesca” e “injustificável” ação. Não me lembro dos dois funcionários públicos usarem os mesmos termos para tratar da situação dos guaranis kaiowás no Mato Grosso do Sul, que no último mês sofreram ataques, tiveram acampamentos incendiados e foram baleados por proprietários rurais e seus capangas na região – mais um capítulo de uma longa história de negação de direitos. O mais interessante é que o próprio Incra considera a terra grilada, luta na justiça para recuperá-la e ninguém fala nada.

Dois pesos, duas medidas. Comportamento este também compartilhado por parte da imprensa. Destruir pés de laranja é crime inafiançavel, atirar em índio, não. De repente dá até medalha.

JORNAL DO BRASIL
ENTREVISTA CONCEDIDA POR JOAO PEDRO STEDILE, COORDENAÇÃO NACIONAL DO MST
Publicada em 18/10/2009 - veja em http://www.linearclipping.com.br/conab/m_stca_detalhe_noticia.asp?cd_sistema=26&cd_noticia=911664

1- O governo deve tomar uma decisão em breve sobre os novos índices de produtividade para as grandes propriedades rurais. Que impacto a mudança pode provocar na estrutura fundiária?

O impacto é pequeno. Mesmo assim, os latifundiários, o agronegócio e a mídia conservadora não admitem que se cumpra a Lei agrária, que determina a atualização regular dos índices de produtividade. Os dados utilizados atualmente são de 1975. Por que eles têm tanto medo? Fora isso, não basta apenas atualização dos índices para fazer a Reforma Agrária. É preciso mudar o modelo agrícola e cumprir a Constituição, que determina que sejam desapropriadas as grandes áreas que não tem função social e não cumprem a lei trabalhista, agridam o ambiente e estejam abaixo da média da produtividade. O censo do IBGE concluiu que temos menos de 15 mil latifundiários com áreas maiores de 2.500 hectares, com um total de 98 milhões de hectares. É muita terra nas mãos de pouca gente, que nem mora no campo.

2- O MST está confiante numa decisão favorável à revisão dos índices, ou há o receio de que o governo recue do compromisso assumido? Como o senhor imagina que o governo vai administrar a resistência do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes?

Quando o governo fez o anúncio da atualização dos índices, já sabia da reação dos setores conservadores e da posição do ministro do agronegócio. Não é uma surpresa. Quem ganhou a eleição foi o Lula, não o ministro. Não acreditamos que o governo volte atrás. A mudança dos índices é uma reivindicação dos camponeses e dos setores progressistas da sociedade. Somente com a força do apoio popular ao governo Lula poderão ser modificados. E estamos atentos e vamos voltar às ruas para denunciar a ofensiva do latifúndio e garantir a atualização dos índices.

3- De que maneira o fato do governo oscilar politicamente entre o agronegócio e a agricultura familiar afeta as ações do MST? E como o senhor resumiria a visão que o MST tem hoje do que foram esses sete anos de governo Lula? Qual é o aspecto mais positivo e qual o mais negativo?

Infelizmente, o governo não fez a Reforma Agrária e perdemos mais uma oportunidade histórica. O censo agropecuário demonstra que aumentou a concentração de terras no Brasil, que é líder nesse vergonhoso ranking mundial. Temos famílias acampadas há seis anos. O governo é de composição de interesses, sob hegemonia dos bancos, das transnacionais e do agronegócio. A agricultura familiar e camponesa é mais eficiente, produz alimentos em menor área, gera mais empregos, embora receba menos recursos do que o agronegócio.

A repercussão da destruição de parte do lar anjal na área ocupada pela Cutrale e a conjuntura podem impor alguma mudança de tática do MST? O movimento repetiria ou manteria a decisão as ações nas mãos de quem está no local?

A repercussão foi negativa. Foi uma manipulação midiática e ideológica, a partir de uma atitude desesperada das famílias acampadas. Viver em um acampamento por anos e anos leva a uma situação limite. Há muitos vandalismos que o agronegócio e o latifúndio cometem que são consentidos pela mídia. Não podemos aceitar o vandalismo do agronegócio de usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o ambiente, envenenam as águas e os alimentos. Depois de diversas ocupações na fazenda da Cutrale, conseguimos denunciar que a maior empresa do setor de suco de laranja do mundo usa um artifício arcaico da grilagem de terras. Por conta do monopólio da Cutrale no comércio de suco e da imposição dos preços, agricultores que plantam laranjas foram obrigados a destruir entre 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais.

A ação contribuiu para aumentar o apoio de parlamentares à CPI do MST? Como o movimento reagirá à sua possível instalação? O senhor teria algum problema para comparecer ao Congresso e prestar esclarecimentos?

Essa CPI é contra o MST. A Rede Globo forjou um escândalo contra a Reforma Agrária. As imagens foram utilizadas pela direta, pela bancada ruralista e pela mídia para desgastar o MST e forçar uma CPI que já tinha sido derrotada. Já foram criadas as CPI da Terra e das Ongs contra o nosso movimento, com investigações exaustivas sobre os temas requentados atualmente. Podemos prestar todo e qualquer esclarecimento. Já existem instituições que fazem o controle dos convênios do governo com entidades da Reforma Agrária, como o CGU, TCU e o MP. Esses parlamentares não confiam nesses órgãos? O tanto de CPI instaladas no último período levaram esse instrumento importante a uma banalização. A CPI contra o MST, por exemplo, tem motivação eleitoral. O demo Roberto Caiado, que é fundador da UDR, confessou que o verdadeiro o objetivo da CPI é comprovar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação é no mínimo ridícula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva e reacionária como todo latifúndio.

Qual a relação que o MST mantém com as ONGs que receberam verbas do governo e são apontadas como entidades de fachada do movimento?

As entidades da Reforma Agrária atuam em assentamentos do MST e de outros movimentos sociais e sindicais, prestam serviços nas áreas de produção agrícola, assistência técnica e educação. Contratam professores e agrônomos para atuar nos assentamentos. Fazem o papel que deveria ser do Estado. O Estado foi dilapidado pelo governo FHC, que inventou essa história de convênios com Ongs. Nós sempre defendemos que o Estado retome os serviços de natureza pública, tanto nos assentamentos como em todo país. Nunca utilizamos dinheiro público para fazer ocupação de terra. Os inimigos da reforma agrária atacam essas entidades porque querem que os assentamentos dêem errado. Se estão preocupados com o dinheiro público, por que não fazem investigações sobre os recursos destinados aos empresários do sistema S, do SENAR e SESCOOP? E essas feiras de agroexposição para fazer propaganda e tantos outros utilizados sempre em beneficio do latifúndio e dos ricos? Você tem idéia de quanto o Tesouro Nacional paga por ano das diferenças de juros das renegociações de dívidas dos ruralistas? São mais de 2 bilhões de reais!

Como o senhor avalia a reação de autoridades do governo, especialmente do presidente Lula condenando e classificando o ato de "vandalismo"? Surpreendeu a maneira veemente como figuras que trabalham pela reforma agrária dentro do governo, a exemplo do ministro Guilherme Cassel e do presidente do Incra, Rolf Hackbart, criticaram a ação?

Nós também condenamos vandalismo. O presidente Lula e os ministros não tinham conhecimento da versão das famílias acampadas e do ministro de Segurança Institucional general Félix. As famílias nos disseram que não roubaram nem depredaram nada. Da saída das famílias até a entrada da imprensa, o espaço da fazenda foi preparado para produzir imagens de impacto. A direita utilizou repetidamente por meio da mídia as imagens contra a Reforma Agrária. Não vimos nunca a imprensa denunciar a grilagem nem a super-exploração que a Cutrale impõe aos agricultores. O vandalismo da violência social nas grandes cidades provocadas pelo êxodo rural parece não escandalizar a mídia. Vocês do Rio não assistem os vandalismos provocados pelas forças de repressão em despejos de famílias sem teto. A polícia de São Paulo usou trator de esteira para destruir barracos em uma favela. Isso sim é vandalismo contra o povo brasileiro.

Que análise o senhor faz do censo agropecuário do IBGE?

É um retrato da realidade agrária brasileira, uma vez que os pesquisadores vão pessoalmente a todos os estabelecimentos agrários. Os dados demonstram o que já estávamos denunciando e sentindo no dia a dia: nos últimos dez anos, houve uma brutal concentração da propriedade da terra no Brasil. As propriedades acima de mil hectares controlam nada menos que 43% de todas as terras do país. Já as propriedades com menos de 10 hectares detêm apenas 2,7% das terras. Por outro lado, comprovou que a agricultura familiar e camponesa emprega 75% da mão-de-obra e produz 75% de todos os alimentos, embora receba menos financiamento público. Demonstrou que o agronegócio é um modelo para produzir commodities, às custa da concentração de terras, do êxodo rural, do aumento da pobreza e do envenenamento dos alimentos e da nossa natureza. É um escândalo!

E da pesquisa da CNA/Ibop e sobre os assentamentos?

Foi uma pesquisinha de opinião em nove assentamentos, que não tem relevância nenhuma. É uma perda de tempo. Nos surpreende o Ibope e a imprensa gastar tempo com isso. Um estudo relevante e necessário faria a comparação da situação de uma área antes e depois da criação do assentamento, mesmo nesse quadro desfavorável para a pequena agricultura e para os assentamentos.

Qual é a realidade dos assentamentos rurais em geral, em especial daqueles que resultaram da luta organizada pelo MST? Qual a maior dificuldade enfrentada hoje pelas famílias assentadas?

Muitos assentamentos ainda enfrentam muitas dificuldades nas áreas de infra-estrutura pública e crédito para produção. No entanto, os assentados deixam de ser explorados, têm trabalho, comida e escola para os filhos. A maioria já tem uma casa própria melhor de quando eram sem-terra. A maior dificuldade é que os assentamentos sozinhos não se viabilizam, sem que haja uma prioridade para um novo modelo agrícola. Precisamos de um programa para a implantação de agroindústrias, na forma de cooperativas, para que se agregue valor e os trabalhadores aumentem a renda e dêem emprego aos jovens. É preciso construir escolas e capacitar professores em todos os níveis, para os jovens não irem para a cidade. É necessário um programa para o desenvolvimento de técnicas agroecológicas, que permitem aumentar a produtividade sem usar veneno, produzindo assim alimentos sadios e baratos para a cidade.

Entre os "presidenciáveis", quem mais agrada ao MST e seus militantes? Mais especificamente, a ministra Dilma Rousseff pode contar com o apoio do movimento em 2010? E a conjuntura política pós-Lula pode forçar alguma mudança tática do movimento?

Sempre preservamos a nossa autonomia. Os nossos militantes participam das eleições como cidadãos brasileiros. Claro que sempre votam em candidatos que sejam a favor da reforma agrária e de mudanças sociais. Nossa vontade política é impedir a volta do neoliberalismo e discutir um projeto popular de desenvolvimento para o país, que faça mudanças estruturais para resolver os problemas do povo. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha e passa usar todos expedientes para tentar impedir qualquer mudança.

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Igor Felippe Santos
Assessoria de Comunicação do MST
Secretaria Nacional - SP
Tel/fax: (11) 3361-3866
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Página - www.mst.org.br

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