sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Angola


Pintura, escultura, cerâmica, gravura e fotografia digital dominam exposição intermacional patente na Celamar
Fotografia: Paulino Damião
As obras apresentadas na sexta edição do projecto “Coopearte”, aberto este fim-de-semana, na ilha de Luanda, apesar de confirmarem uma inevitável continuidade nas temáticas e nas preferências técnicas, subentendem, claramente, um engajamento profissional sempre mais firme, numa dinâmica de reconfortante diversidade nacional e de inteligente abertura ao mundo.


A “cinquentona” de artistas plásticos participantes propõe notáveis peças em domínios de exercício tão clássicos, como a pintura a óleo e a acrílica, a escultura sobre madeira, sobre ferro, cerâmica, papier mâché, a banda desenhada, ou os mais inovadores, a pintura com área, o batik ou a fotografia numérica.


Reencontra-se, com muita felicidade, fixações de pincéis atentas, que variam entre mensagem enérgica e convicções identitárias, como as obras de Virgínia Romão, cuja vantagem pictural certifica o seu feitio de designer experimentada.


Francisco M. Dongala, Nsimba Diongo, Mudilu Silva e Ngaiandu Kapela, são outros exemplos perfeitos da melhor vindima da pintura contemporânea, bem africana, e Sozinho Lopes, cujo o original das composições faz dele um dos pintores angolanos chamados a integrar, com um enorme potencial de sucesso, o mercado internacional da arte. Ele é sem dúvida, entre os jovens pintores da sua geração, o mais dotado.


Como técnica de sucesso na África Central, Paulo Yoka propõe, no quadro do estúdio colectivo, a sedutora pintura com areia. A neerlandesa Jeannette van Honk, Adalberto Ferreira, Carlos Leonardo e Daniel Calufele Tumoma, vindo da imponente metrópole do centro de Angola, mostram os talentos na modelagem do papier mâché.


A vitrina “Coopearte” deste fim de decénio permite comprovar o alto nível técnico atingido pela Marcela Costa, a humilde “alma” do atelier grupal e da maternal Celamar, o tricotar das tapeçarias, mas, igualmente, pelo experiente Avelino Kenga ou o irresistível Mayembe Meto.


As vias temáticas seguidas são à altura das ambições culturais e sociais dos artistas plásticos participantes duma experiência comum. O decano Fernando Vinha, o professor, recorda, graças a uma corajosa montagem em ferro, a necessidade de proceder, sempre que necessário, a uma séria reflexão filosófica sobre a vida, opção existencial que toma também o Sabby ou a Vanda, esses que acreditam nas persistentes forças hidrogónicas.


Quanto ao Tabuada, admite ter encontrado uma explicação da génese da humanidade. Elias Freitas coloca, a este respeito, uma espinhosa interrogação: “Nani mono”, (Quem sou ?).


Esta procura ontológica e retomada nas esculturas antropomorfas de Dongala, mas analogamente no arranjo de Agostinho José Piranha.


O imenso Van, perfeitamente consciente – com razão – da sua condição de artista, embora director do INFA, atreveu-se a entrar nessas solicitações filosóficas, construindo um quadro associando os seus adoptados sona (pictogramas) , inspiradores, o católico e mobilizador santuário da Muxima, uma revelação da diversidade religiosa do país da “herética” Kimpa Vita.


A paciente brasileira Solange Escosteguy Cardoso, como era de esperar, e fascinada pelas máscaras com forte significado social das poderosas Lundas. Cruza neste caminho antropológico, Nkulu com a cintilante máscara solar, Carlos Leonardo, um dos artistas plásticos que desceu, pela ocasião, dos Planaltos Centrais, Jaime David, Tembo e Geovane Manuel que redesenha as tentadoras “Mwana Pwo”, assim como Bangui, mestre das redondas femininas.


A sublimação das mulheres, invariavelmente, grande tema das artes, aqui e no mundo fora, é retomada com Pedro Tchivinda, o obstinado pintor que evolui no fresco Planalto da Huíla, rico de mulheres elegantes e autênticas, o Nsimba Diongo, que perseverou, conscienciosamente, a realçar a sua finura numa visão notavelmente poética ou a retratar as suas atitudes quotidianas à semelhança de Gika Binanga e Pascoal Ventura. Quanto à Avelino Kenga, pode-se permitir algumas desvendas.


A majestosa representação somática e, também, evidentemente, proposta pelas cerâmicas das grandes mãos hábeis, Simão Kafunuaku e Afonso Makiadi Mawanda.
Paulo Kussy Correia Fernandes, que regressou à boa “Terra da Rainha Nzinga” bem descomplexado, se assenta sobre a revelação física. Enérgica entrada na cena das artes visuais nacional deste pintor que fará correr muita tinta, em complemento do seu vasto talento, as caras imaginadas em volumes, de aceitação absolutamente internacional.


Esta quase veneração pela “femina” embarca a feliz maternidade relembrada pela Leda da Conceição Marinha ou a precoce e imparável procriação, fenómeno social que preocupa Ngiandu Kapela.


A esta sensibilidade sucede as expressões semi-figurativas com o nobre Don Sebas ou radicalmente abstractas, com Francisca Nair Vieira Dias, Madalena Maria da Silva Coelho “Le” e, naturalmente, o dreadlocker Chey.


Erika Sena da Silva testemunha da beleza da natureza com o seu arco-íris a imagem da queniana Dorine Namulanda, seduzida pela postura sumptuosa do grandioso antílope, encanto nacional.


O outro criador vindo do coração de Angola é o simpático Pedro Hospital, que quis selar o sucesso da dança kuduro, esta demonstração coreográfica saída do famoso ritmo dos tórridos musseques luandenses, resultante de uma orquestração muito sumária e letras niilistas mas de veia popular.


Os jovens, eles, adoptam uma atitude espontânea e se consideram, com um legítimo orgulho, como descendentes identitários da angolanidade, sentimento expresso por desenhadores, estudantes em arquitectura, apaixonados, logicamente, de banda desenhada. São Ronaldo Fortes, Graciano Goncaga, Elias Freitas e Adilson Mário Samuel.


Atalham-se com o desenho “Ulienge”, “grilheta”, a tela intitulada “Escravatura” de Vargas Mateus Sousa, boa direcção temática que vai contribuir para a quebra, sem dúvida, do silêncio!


Nostálgico, o distinto Né Nvunda não resistiu a sugerir telas das idílicas aldeias africanas como os seus confrades Nzimbula e Avelino Bernardo Capita, que acreditam nas virtudes anti-stressantes dos mercados extraordinariamente bem animados do continente.


A imediata contemporaneidade, sendo uma das ilustrações dada pelo espectacular crescimento vertical da cidade de Luanda, e apanhada pela versátil Erika, o espanhol Unai Ruiz Ameztoy e a argentina Diane Biet, que se apressaram a estampilhar uma vista actual da Baía de Luanda, chamada a breve prazo a mudar, definitivamente, de panorama.


O outro aumento espantoso é o da população estudantil. Zeferino Bambo certifica as dificuldades de inscrição na universidade nacional. O próximo Campeonato Africano de Futebol, festa popular por excelência, não deixou indiferentes os artistas. Alinharam-se à expectativa ambiente Francisco M. Dongala e Alfredo Dos Santos.


A melhoria da situação social das crianças angolanas é apresentada pelo repórter fotografo Paulino Damião, o respeitado “Cinquenta”, que os achou em pleno meio rural, um terreno por excelência, do verdadeiro desenvolvimento humano.


Iniciativa que quase se institucionalizou, o Coopearte, uma das poucas ocasiões de largo reagrupamento profissional em Luanda, está a cristalizar a emergência de uma nova escola de arte em Angola, cujos contornos predizem um conjunto de características feito de rigor técnico e de orientações temáticas bem reapropriadoras.

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