quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Rota Caribenha

A ROTA CARIBENHA DA ESCRAVATURA
ANGOLANOS POVOARAM TAMBEM AS ANTILHAS HOLANDESAS

E um dos factos historicos, maior, pouco conhecido, que confirma a obra colectiva “Presencia africana en el Caribe” , livro editado sob a coordenaçao da africanista mexicana Luz Maria Martinez Montiel pelo Conselho Nacional pela Cultura e Artes da Republica Federal, na sua didactica colecçao “Chaves da América Latina. A nossa Terceira Raiz “.


Selado num consistente volume de 652 paginas, a compilaçao de San Angel articula-se numa dezena de capitulos nas quais os autores-contribuido res analisam, sob uma abordagem, preferencialmente, insular, a barulhenta instalaçao dos melano-africanos em Cuba, a profunda influencia dos cultos congos na grande ilha, a evoluçao dos niger na Republica Dominicana, esta parte oriental da historica Espanola, o enraizamento africano em Porto Rico , a particular bi-nacion, a estampilhagem civilizacional negra des aferolhados na espiritual Jamaica, a definitiva adaptaçao da mao deobra negra nas cinco ilhas holandesas das Caraibas, Curacao, Bonaire e aparentadas; as, tornadas, afro-guianeses e a acomodaçao historica dos afro-surinamenses.

Nota, ai, com muito interesse, a sintese de Joel James Figarola comparando a natureza dos laços linguisticos e antropologicos que se estebeleram entre Cuba e Haiti.

Reenconta-se, ai, dentro dos especialistas que propuseram as suas analises a esta obra, o meu excelente colega, cubano, membro do novo Comité Cientifico Internacional do Projecto da UNESCO “ A Rota do Escravo “ , Miguel Barnet e a claridente Lydia Milagros Gonzales de Porto Rico.

Na sua introduçao a obra, Maria Montiel recorda, bem a proposito, que é a experiencia humana e agricola da exploraçao da preciosa cana de açucar em Sao Tomé , que foi aplicada no “além-Atlantico das plantaçoes”.

Com efeito, arquipelago descoberto, inabitado, e lutando com um sub-povoamento cronico, este fornecera no novo continente e no conjunto insular, contingentes de cativos vindos, maoiritariamente, do vizinho e parceiro Reino do Kongo e do litoral enclave portugues de Angola.

Sao eles que provocarao, segundo a antropologa mexicana, varios processos de estampilhagem civilizacional bantu no conjunto insular tais como a emergencia dos famosos cultos sincreticos congocubanos ou palo mayombé, animados em Cuba, pelos os mojigangas e em Porto Rico pelas sectas mialas.

Perpeturao, nas ilhas tropicais do Novo Mundo, o consumo da malanga (iniame) e do quimbombo( banana pao).

Epicurianos, produzirao a musice popular de grande ilha, comos seus ritmos e danças lascivos, a rumba, a conga, a bembé e a calenda.

PUNCOES EXUTORIAS

Retomarao, nas Guianas, os seus tambores do Congo e de Angola.

Esses rebeldes, vindos da Colonia de Angola ou embarcados da emborcadura do Congo conservarao os seus antroponimos, tais como Lemba, na Republica Dominicana.

Rafael Duharte Jimenez indica, na sua vigorosa sintese intitulada “Africa em Cuba “ , a instalaçao em Havana, logo no século XVI, de Engolas, Embo, Congo, Casanga, Mozambique e Sao Tomé. Esses perpetuarao os nkise( feitiços) , no quadro das crenças mayombé, bem manipulados pelos inevitaveis ngangas.

Retomando o lexico residual de origem africana proposto pelo Sergio Valdés Bernal, o contribuinte cita, entre outros elementos, para as palavras de filiation, visivelmente bantu,
mambi , de mbi (assustador) , bembé de bembo (labios), gandul de wandu (ervilhas), mambo de mambu (diferendo), marimba (xilofone) et tango de tanga (cantar).

Jimenez nota, dentro dos numerosos factos sintomaticos da influencia bantu na “Gran Plantacion” , a titularizaçao de filmes cubanos sobre a escravatura; uma dessas producoes sobre esse tema é Maluala (O Ofendido).

Na sua notavel contribuiçao, bem intitulada, “A cultura generada pelo acucar” , o tenaz Miguel Barnet confirma que uma das zonas de provenencia de cativos introduzidos, clandestinamente, depois de 1873, ano de registo oficial, da chegada do ultimo navio negreiro num porto cubano, foi, numa grande escala, “las regiones del Congo”.

Para ele, as terras kongo foram “ una de las zonas mas devastadas “ pelas punçoes exutorias esclavagistas em direcçao ao setentrion antilhano.

Isso provocara, naturalmente, a retençao de etnonimos tais como Mayombé, Loango, Musundi, Ngola, Benguela e Kabinde ou cultos tais como os ligados aos kimbisa, espiritos, a devoçao ao Nsambi ou Sambiampungo, a veneraçao do Ntangu, o Sol e da Mama Nkengue, Divinidade androgene, a crença aos endocui ao kandiempembé, o endoqui malo, a gestao dos munansos lugares de cultos e a fabricaçao dos kinfuiti, ngoma; matoko e matuka, tambores, a utilizaçao, de mpaka meso e o respeito pela jupeteriana ensasi.

Notar-se-a, na grande ilha, a perpetuaçao antropologica das conviçcoes bantu sobre a força divina injectando o vital sangue menga e acordando a inteligencia pelo nkuto, a orelha.

E a instalaçao, massiva, da mao de obra vinda do “Pais da pantera” que explicara a multiplicaçao, durante o periodo colonial, dos Cabildos congos ou Congos Reales. Esses foram muito activos nas actuais provincias de Las Villas e Matanzas assim como na regiao de Colon.

A famosa Sagua la Grande , em Las Villas , é a praça forte dos Eshicongos, que eles consideram como o seu kunalungo ou kunalumbu, do bantu, nlumbu, territorio. Tentou-se, ai, convencer Barnet, que o Congo Reale desta localidade era o “ Congo dia Ntotila de verdad”.

CRISTALIZACAO SINONIMICA

O membro, reconduzido, da instancia da UNESCO retoma, bem à proposito, a sua compatriota Lydia Cabrera, que notou uma informaçao datada de 28 de Janeiro de 17 99, sobre a organizaçao, na periferia da Havana, de barulhentas festas pelas naciones congos. Essas eram animadas, por, nomeadamente, os Basongo, os Mumboma, os Mundamba e os Mayaka.

A significativa e continua presença congo no territorio adjacente o Golfe do México provocara a cristalizaçao sinonimica com o termo negro.

Com efeito, a designaçao etnonimica vinda da contra costa , de Africa central, se aplicara, em verdadeiro générico, a diversos elementos da vida social cubana. Tudo tornar-se congo.

Qualifica-se as outras comunidades bantu, aparentados, deste predicativo. Avalia-se uma trintena de atribuiçoes, dentre dos quais congo ngola, congo muluanda, congo kisiamo, congo babundo, congo mbangala, congo kisenga, congo ambaka, congo motembo e congo makua.

O kisomba kia ngongo, visivelmente, kimbundu, torna-se fiesta de congos.

Examinando a presença niger na Republica Dominicana, Carlos Andujar Persinal identifica, como uma das principais proveniencias de bozales, a Africa central, cujo activo nucleo esclavagista é constituido, essencialmente, do solido bloco Congo/Angola, e do seu corolario humano, Sao Tomé.

O contribuinte de Santo Domingo apresenta detalhes sobre esta proveniencia baseando-se em estatisticas historicas e diversos elementos de natureza etnonimica.

Nota, entre 1547 e 1821, a chegada em Espanola, de grupos de cativos bantu de etnias congo ngola, congo muluanda, congo kisiamo, congo babundo, congo mbangala, congo kisenga, congo ambaka, congo motembo e congo makua.

Assinala, entre outros factos historicos sintomaticos do significativo povoamento bantu neste territorio ileu banhado pelo Mar das Caraibas, a morte, em 1547, do lider cimarron, bem nomeado, Sebastian Lemba e o aprisionamento, em 1796, apos a corajosa insureiçao de Boca de Nigua , de varios incitadores de origem congo e mundongo.

Ilustrando a forte influencia do incontortornavel agregado Congo/Angola, no cristao Santo Domingo, Persinal poe em relevo a gayumba, o arco musical, a marimba, o xilofone, e os tambores congo-atabales.

O exame do mapa toponimico do Oriente da Espanola permitiu ao antigo investigador do dinamico Museu do Homem Dominicano de reencontrar as designçoes Angola, no sul da metade da ilha; El Congo, em diversas regioes do pais Fula e Lemba.

Os afro-dominicanos conservaram, igualmente, como os seus irmaos da “Gran Plantacion” , ao nivel do corp humano, centro de preservaçao linguistica, por excelencia, o termo bantu bemba para labios.

A aplicada Lydia Milagros Gonzalez encarregou-se, naturalmente, do seu pais, que, segundo ela, registou um povoamento, maioritariamente, bantu.
Afirma, a este respeito, que” haber sido el grupo de mayor influencia en Porto Rico”.

E, de reter, dentre dos bantuismos que a investigadora de San Juan cita, termos que se cristalizaram na “Habla ganga” ou “Espagnol Popular Porto-Riquenho”, o tambor bomba ou ngoma e a macanda, feitiço.

O capitulo consagrado a presença africana nas Antilhas Holandesas é assinado pela Rosa Mary Allen.

MONO - IMPORTACAO

Propoe como primeira marca de identidade historica do grupo iléu, o crioulo guéné, hoje extinto.

Esta lingua resuma bem a historia da expansao, deportaçao de escravos e colonizaçao holandesas em Africa, nas Américas e Caraibas.

Constituindo uma das potencias maritimas e financeiras, mercantilistas, dentre das mais activas da Europa, no século XVII, as Provincias Unidas, grandes rivais dos géméos ibéricos, com a seu eficiente instrumento de negocios e colonizaçao, a celebre Companhia das Indias Ocidentais, ocupara, a partir de 1629, e isso, durante uma vintena de anos, a estrategica Pernambuco _ incluido Alagoas -, e outras regioes da imensa colonia portuguesa do Brasil, grande consumidora de congos, ngolas e mozambiques.

Com efeito, as tropas holandesas controlarao Itamaraca, Paraiba e Rio Grande do Norte. Fala-se, entao, de um Brasil holandes!

E, neste sub-continente, que a “Companhia” va gerir, pela primeira vez, um grande numero de melano-africanos. Com efeito, em 1630, a Capitania de Pernambuco recenseou, ai, mais de 48 000 trabalhadores negros !

A Holanda continuara a ocupar, paralelamente, territorios no continente, nomeadamente, em Tobago e no Suriname e as suas seis ilhas nas Caraibas.

Expansionista, Amsterdao ousara ocupar, sobre a costa ocidental de Africa, entre outros centros esclavagistas, Sao Tomé, e sobretudo, de 1640 a 1648, a preciosa Sao Paulo de Loanda.

Com efeito, esta cidade é uma boa posiçao, porque a viagem entre “As Portas do Mar” loandesas e as costas brasileiras era menos demorosa.

E, estima-se, durante os sete anos que ela ocupou o principal centro da Colonia de Angola, a Holanda transportou mais de 12 000 cativos ngolas, mundongos, matambas e congos.

Preocupado pela mono-importaç ao negreira, o “Hof van Politie” de Pernambuco comunicara, no dia 26 de Julho de 16 30, a Companhia das Indias Ocidentais, que um navio acabava de acostar, mas , com unicamente, “carne humana negra”.

E, este posicionamento geoestrategico que permitira, para o essencial, aos negreiros holandeses, introduzir importantes contingentes de “negros de agua salada” nas suas possessoes nas Antilhas, directamente, portanto, da contra costa ou via o Brasil.

Avalia-se que a Holanda transportou, além Atlantico, mais de 10% de mélano-africanos. Uma das suas regioes de abastecimento, em madeira de ébano, foi a Loango Coast/Angola.

Este aprovisionamento se refletera, naturalmente, em Curacao.

E assim que o livro de baptismos, datado de 1755, da Iglesa de Santa Ana, contem interessantes indicaçoes sobre as origens etnicas ou os antroponimos de maes de crianças recipiendarias. Com efeito, rencontram-se, ai, mençoes tais como congo, canga, jamba, loango, angora, macamba ou macambi.

Esta ascendencia sera, igualmente, atestada em certas expressoes, muitas das vezes depreciativas, do papiamento, o crioulo da ilha.

Mary Allen utilizou, a este respeito, entre outras fontes, a obra do Padre Brennenker “ Sambumbu, Volkskunde van Curacao ...” e propoe uma dezena de de cantos em crioulo.

Assim, este falar fixou, definitivamente, a sentença

-“Bisti manera un loango” (Vestir roupa de cores brilhantes);

-a comparaçao papia luango, ( falar a toa));

- e o ditado « E ku bo wela luango a sina bo awe, di mi criojo a sinami kaba », (o que o teu antepassado luango ensinou-lhe, o meu avo crioulo o ensinou também).

Reencontrada e utilizada pelos os Loango, a planta anti-diareica Stamodia maritima, é designada, no falar corrente, puta luango.

Os toponimos kanga e mundongo indicam bem laços os laços historicos com os antigos Kongo e Ndongo.

Inspirar-se- a do kimbundu, guéné, para eponimizaçao do antigo idioma crioulizado da ilha.

Este termo se tornara generico e sera aplicado a diversos aspectos da vida social, kantika di guéné significando canticas cantadas em crioulo, kantika de makamba, cantos de amizade e o inevitavel galina guéné, o galo local, suposto proteger as casas contra o mau espirito, o mal airu.

Notar-se-a que um dos alimentos de base dos ilheus é o funche, a base de farinha de milho.

O capitulo sobre Surinam niger é proposto por Wim Hoobergen e reencontra-se, ai, como uma das principais regioes de origem dos afro-surinamenses, o Loango/Angola.

Um dos factos que confirma a forte presença dos Bantu no Suriname é a famosa gravura “Familia loango” inserida na obra de John G. Stedman, publicada em 1796.

Terra de interminaveis insureicoes, as anais conservaram nomes de alguns lideres tais como Pambu, Musinga, Makamaka e Sambo.

Obra bem util, “Presencia africana en el Caribe” permite de dispor num so volume, o quadro da evoluçao historica, da cristalizaçao dos crioulos e as perpetuacoes antropologicas africanas no conjunto insular.

Permite, igualmente, apreciar as similitudes desta trama, sobretudo na sua declinacao bantu, que constitui, incontestavelmente, uma das bases da identidade historica caribenha e um dos fundamentos que facilitou a transversabilidade cultural registada nesta regiao insular.


Simao SOUINDOULA
Vice Presidente do Comité Cientifico Internacional
do Projecto da UNESCO “A Rota do Escravo”

Tel. : 00 33 32 77 99 390 Cambrai - França





__._,_.___

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sim