segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Morre Sem-Terra em Conflito Agrário




22 de agosto de 2009 | N° 16070

CAMPOS CONFLAGRADOS
MST ganha seu mártir
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ganhou um mártir ontem, após a morte de um militante da sua causa, Elton Brum da Silva.

Aos 44 anos, o acampado de Canguçu, município do sul do Estado, foi atingido por um disparo de espingarda calibre 12 quando era retirado da Fazenda Southall, em São Gabriel, na Campanha, invadida há nove dias pelo MST. Testemunhas garantem que Brum foi morto por um oficial da Brigada Militar (BM).


Gráfico mostra as polêmicas que envolvem a fazenda Southall

Grande parte das testemunhas é ligada ao MST, que já deu início a uma primeira estratégia de reação: orientou seus militantes a soterrarem com depoimentos os cartórios da Delegacia da Polícia Civil de São Gabriel, que investigará a morte. Os testemunhos repetem que o autor do disparo é da BM. O segundo passo dos militantes poderá ser uma grande movimentação em direção à fronteira, ainda sem data definida.

A BM não confirma, nem desmente que foi autora do disparo mortal. Anunciou apenas que abriu um inquérito policial-militar (IPM) para esclarecer o episódio. O responsável é o corregedor-geral da BM, coronel Rogério Machado Porto.

Pelo menos um oficial reconhece que os policiais militares dispararam, mas como reação a um suposto confronto. De acordo com o tenente-coronel Flavio Silva Lopes, que atuou na operação, os PMs atiraram contra os sem-terra porque estariam sendo agredidos com foices. No entanto, a identidade do atirador permanece desconhecida. Ao final do dia, 15 armas calibre 12 da BM foram apreendidas para perícia.

A Polícia Civil abriu outro inquérito, e a morte será igualmente investigada pelo Ministério Público. A própria governadora Yeda Crusius determinou que todas as informações sobre o episódio sejam apuradas.

Os sem-terra invadiram a Southall no dia 12 e, como de costume, protelaram sua retirada da fazenda. Contrariaram a ordem judicial para que evacuassem a área. Esticaram até o ponto de ruptura a tênue linha que separa a legalidade da clandestinidade e da desobediência metódica. Mesmo com o abuso praticado pelos militantes do MST, a sua retirada da fazenda poderia ter sido pacífica. Não foi.

Permanecem inexplicados os motivos pelos quais PMs portavam armas de fogo e munição mortal para remover da área invadida militantes do MST que não teriam revólveres ou espingardas. Se portavam, essas armas não foram encontradas. Se não portavam, não há motivo para que alguém tenha disparado uma espingarda calibre 12 contra o corpo de Elton Brum da Silva. Normalmente são usadas escopetas com balas de borracha e granadas de efeito moral (que causam explosões e iluminação, sem gerar estilhaços).

Por que armas de fogo de grosso calibre estariam na linha de frente da remoção dos sem-terra? Nenhum oficial graduado da Brigada veio a público explicar isso.

Segundo os testemunhos, Brum teria sido morto durante suposta discussão com um oficial da BM que atua na região da Fronteira e tentava realizar a remoção dos militantes do MST do local. O próprio oficial e alguns soldados teriam providenciado a remoção de Brum, ainda vivo, para o hospital de São Gabriel, numa viatura da BM. O sem-terra morreu a caminho daquela cidade.

A corroborar a versão de que Brum teria discutido com um PM existe um fato: só o sem-terra recebeu tiro. Logo em seguida, teria ocorrido um confronto entre policiais e militantes do MST, mas os cinco PMs feridos sofreram danos causados por paus ou pedras, não por tiros.

Nenhuma arma de fogo foi apreendida com os sem-terra. Ou seja, os instrumentos usados pela BM teriam sido desproporcionais ao que o episódio exigia. De concreto, resta o cadáver de Brum, que deverá alimentar ódios e conversas ao pé do fogo dos acampamentos durante décadas.

Se a BM teve seu mártir em 1990, quando o soldado Valdecir Nunes foi degolado por um grupo de sem-terra, agora o MST tem o seu. E não vai esperar a conclusão das investigações para fazer do episódio uma grande panela de pressão.

Ontem mesmo estavam sendo programadas grandes manifestações durante o enterro de Brum, que deve ocorrer hoje em Canguçu, sua terra natal.

humberto.trezzi@zerohora.com.br


HUMBERTO TREZZI
Multimídia

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