sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Papel Molhado

Papel molhado
Juan Torre López

O Escritório de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos acaba de estimar que o déficit orçamentário de 2009 será de 1,2 trilhão de dólares, o que representará algo mais de 9% do PIB americano. Para Obama se trata de uma carga impressionante que terá que governar a partir do dia de sua posse, mas para o resto do mundo é um aviso de grande transcendência.
Em qualquer outro país uma situação desse tipo seria catastrófica para si próprio, mas os Estados Unidos dispõe de um privilégio especial que lhe permite descarregar sobre as costas de outros a pesada carga de seu déficit gêmeo, o orçamentário e o fiscal. Como a metade do mundo utiliza constantemente a moeda americana, este país pode permitir-se o luxo de pagar sua dívida simplesmente emitindo papel moeda em maior quantidade. Para tanto, basta que se mantenham as condições institucionais prevalecentes no comércio e nos sistemas de pagamentos internacionais (liberdade de movimentos para o capital e o investimento em dólares, controle da supervisão internacional ou que o emissor não seja obrigado a respaldar sua divisa em ouro ou a limitar sua emissão, entre outras).
Os Estados Unidos pôde, então, obter esse privilégio devido à sua fortaleza econômica mas, ato seguido, também graças ao seu domínio imperial sobre o mundo, ao controle que exerce sobre muitos governos, à sua presença militar em todas as esquinas do Planeta (seu orçamento para defesa representa quase 60% do total mundial) e, é obvio, graças ao empobrecimento de seus setores sociais mais desfavorecidos que também pagam o endividamento de modo especial muito particular, porque é comum saírem prejudicados com as reformas fiscais e os recortes do gasto social.
Dessa forma se produz uma combinação de tendências nefasta. Quanto mais fraca seja a economia dos Estados Unidos, mais tem que esforçar-se por consolidar seu poder militar e político no resto do mundo. E é por isso que, se Obama não der uma virada radical (acredito imprevisível) em uma situação tão crítica como a atual, não resta senão esperar que se agudizen os momentos de tensão, de ameaça e, quem sabe, de intervenções militares e guerras de grande extensão.
A gravidade do momento mostra, por exemplo, o fato de que só nos três últimos meses os Estados Unidos tenha emitido papel moeda no valor de 600 bilhões de dólares. Papéis estes que, obviamente, com menor lastro, porquanto gerados exatamente quando a dívida aumenta e piora a crise da economia produtiva. Os Estados Unidos está inundando a economia mundial com papel molhado. É algo que pode fazer, porque tem capacidade para impor silêncio e submissão a outros governos e porque boa parte das empresas transnacionais que governa realmente o mundo é norte-americana mas que termina por debilitar sem remédio a economia internacional, que se vê obrigada a utilizar uma divisa degradada e a tomar como referência um numerário cujo valor só provém do poder imperial de quem a emite.
Enquanto a situação piora e a dívida pública e privada (que já representa 60% e 360% do PIB, respectivamente) siga crescendo, como acaba de advertir Obama, os Estados Unidos não fará outra coisa senão transferir o seu custo para o resto do mundo e seguir procurando que sua dívida seja paga por outros países e pelos mais pobres de sua nação.

É tão monumental a dívida que está sendo gerada que inclusive já se fala de alternativas radicais e inclusive surpreendentes, como a possibilidade de comutar a dívida americana visando garantir a estabilidade dos pagamentos e as mudanças no planeta, uma vez que a maior parte das dívidas foi contratada em dólar. Certamente, isto seria um escândalo descomunal, um ato de verdadeira pirataria econômica e de uma imensa e atroz injustiça se levarmos em conta a mesquinharia com que sempre se tratou a questão da dívida dos países mais pobres.
Também se chegou a especular a respeito da criação de uma nova divisa americana que suporia uma verdadeira operação de mesa limpa na economia mundial ante um dólar já convertido verdadeiramente em um papel que carece do valor que diz representar.
De fato, a Reserva Federal dos Estados Unidos está tratando de dar um passo decisivo nesse sentido, emitindo dívida por sua conta, à margem do Tesouro e do Governo. Algo que não só lhe daria uma autonomia muito dificilmente compatível com os princípios constitucionais do estado democrático que acabou com o absolutismo (como em realidade acredito eu que supõe em geral o regime de independência dos bancos centrais), mas uma maneira de ir descolando o dólar dos compromissos e da realidade cada vez mais deteriorada da economia norte-americana, pois afinal deveria representar uma espécie de novo numerário. Tudo isso sem descartar que o próprio Obama adote alguma medida de estabilização radical sobre sua moeda, para oficializar sua perda de valor que já é um fato indissimulável.
A alternativa dos Estados Unidos é terrível para os outros países. Ou emite dinheiro sem limite, o que supõe jogar o peso da dívida sobre outros e deteriorar seu equilíbrio social interno, além de correr o risco de uma grande inflação se a conjuntura se altere; ou põe em marcha uma operação de gasto efetivo descomunal, mas que deveria ser tão grande que não se pode prever como fazer para gerá-lo, sequer mobilizando todo o aparelho produtivo... senão mediante uma guerra de grandes dimensões..
Obama e especialmente seu futuro vice-presidente estão dando pistas sobre as questões econômicas, mas limitando-se a advertir da gravidade da situação. Com toda certeza, o novo presidente dos Estados Unidos terá que ser muito mais explícito a partir de ascensão ao poder. Ficam, portanto, poucos dias para adivinhar que destino nos aguarda. Algo, no entanto, está claro: qualquer que seja a solução encontrada pelos Estados Unidos o resto do mundo será afetado.

Juan Torres López é catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Málaga (Espanha).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sim