sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Chacina em Gaza

A chacina de Gaza. A posição do HizbóllahAmal Saad-Ghorayeb, The Electronic Intifada, 11/1/2009 - http://electronicintifada.net/v2/article10163.shtml
Amal Saad-Ghorayeb, cientista social e analista político, é professor da American University, em Beirute. É autor de Hizbullah: Politics and Religion. Trabalha atualmente na pesquisa para outro livro sobre as alianças regionais entre Iran, o Hizbóllah, o Hamás e a Síria (IB Taurus), a ser publicado em 2010.
Enquanto Israel consome-se no esforço para aterrorizar os palestinenses, na tentativa de reduzi-los à total submissão, observadores da política na Região começam a perguntar-se por que o Hizbóllah ainda não interveio militarmente no socorro ao Hamás.
Para responder essas perguntas é preciso conhecer os impedimentos que cercam o Hizbóllah, tanto quanto as circunstâncias nas quais esses impedimentos não impedirão que o Hizbóllah intervenha. A pergunta que se tem de fazer não é se o Hizbóllah agirá. A pergunta é: quando agirá?
No pé em que estão as coisas hoje, o Hizbóllah não está em posição de poder auxiliar militarmente o Hamás, por exemplo, abrindo uma outra frente de combate com Israel. Em primeiro lugar, o Hizbóllah e seus apoiadores ainda não se recuperaram completamente do impacto devastador da resistência contra Israel, que atacou o Líbano em julho de 2006. Uma ofensiva do Hizbóllah contra o norte de Israel seguramente enfrentaria força "desproporcional" e seria como cair numa armadilha para a qual Israel tenta atrair o grupo há meses. À parte a destruição e a devastação, outra vez o Hizbóllah enfrentaria forte pressão interna no sentido do desarmamento, e, possivelmente, enfrentaria também outra onda de conspirações e agressões e atentados, organizadas fora da Região, que arrastaria o movimento para outra espécie de guerra civil, como aquela em que o movimento viu-se envolvido em maio de 2008.
Qualquer ação armada do Hizbóllah, agora, não apenas seria internamente contraproducente para o próprio Hizbóllah quanto seria contraproducente também para o Hamás, que luta também para legitimar-se como força política de manifestação dos interesses legítimos dos palestinenses, e não tem interesse em mostrar-se aliado um grupo tão marcadamente apresentado no ocidente como "fundamentalista" e "terrorista". O apoio militar, nesse caso, é politicamente pouco interessante também para o Hamás.
Além do mais, até agora o Hamás tem conseguido resistir ao massacre imposto por Israel, sem ter sofrido qualquer abalo na hierarquia organizacional ou em sua infra-estrutura militar. Nessas circunstância, o Hizbóllah ainda não viu como indispensável ou urgente qualquer tipo de intervenção direta.
São duas as precondições para que o Hizbóllah engaje-se diretamente na luta contra Israel.
Primeiro, o Hizbóllah intervirá, em socorro ao Hamás, se o Hamás for realmente ameaçado de destruição, em situação que os analistas regionais considerem além de qualquer possibilidade de reestruturação a curto prazo. Esse tipo de situação pode configurar-se, por exemplo, se a infra-estrutura militar rizomática do grupo sofrer abalo significativo, de modo que realmente reduza sua capacidade militar – o que ainda não aconteceu; ou se a rede de comando do grupo for abalada; o que também ainda não aconteceu.
Segundo, o Hizbóllah intervirá, também, se o Hamás ficar em posição tão enfraquecida a ponto de ter de aceitar qualquer cessar-fogo incondicional, na linha da proposta de França-Egito, o que enfraquecerá o Hamás (politicamente e militarmente), na medida em que significará aceitar todas as exigências de Israel. Nesse caso, o Hizbóllah sentir-se-á obrigado a intervir.
Nessas específicas circunstâncias, do ponto de vista do Hizbóllah, a necessidade de intervir em socorro ao Hamás superará qualquer custo político que a ação implique, interno ou externo. Para esse cálculo estratégico, o Hizbóllah considera (i) a responsabilidade moral que o grupo tem em relação aos palestinenses chacinados por Israel e (ii) a consciência de que Hizbóllah e Hamás partilham um mesmo destino estratégico, como movimentos de resistência à ocupação da Palestina e à ação predatória de Israel em todo o Oriente Médio.
Nas palavras do secretário geral do Hizbóllah, Hassan Nasrállah, em 16/7/2008:
"[a resistência] é projeto de ação e o movimento de resistência a Israel são um mesmo movimento, seguem um mesmo curso, têm um mesmo destino, um mesmo objetivo, apesar de haver várias linhas, partidos, grupos, crenças, seitas e tendências intelectuais e políticas. Os movimentos da resistência nessa região, especialmente no Líbano e na Palestina, são movimentos complementares; são movimentos contíguos e complementares; complementam-se um, o outro."
Como o Hizbóllah vê o conflito em Gaza
O imperativo moral e estratégico para agir contra Israel e a favor do Hamás é corolário do modo como o Hizbóllah analisa a guerra em Gaza: como mais um episódio da guerra inclusiva movida pela coalizão em que se reúnem os países árabes "moderados" e EUA-Israel, contra a jabhit al-mumana'a ( = "Frente de resistência militar e política") formada por Iran, Síria, Hizbóllah e Hamás.
Por essa análise e conforme essa narrativa, os eventos a que se assiste hoje em Gaza são continuação da guerra de julho de 2006 – o que (i) Israel já admitiu e (ii) explica a violência selvagem dos ataques contra Gaza.
Israel já disse que um dos motivos do atual massacre de Gaza seria restaurar o poder de contenção e recuperar a imagem do exército, muito seriamente abalados em julho de 2006. Para confirmar o acerto de sua análise, o Hizbóllah observa que a posição que os regimes árabes ditos "moderados" assumiram em relação a Gaza é quase idêntica à posição que assumiram em julho de 2006. De fato, o papel dos regimes árabes "moderados" mudou, apenas, de um "silêncio" e de uma "colaboração" ocultados com Israel, na guerra de julho, para abertas e declaradas "cooperação" e "parceria" com o Estado sionista, agora, na guerra contra Gaza.
Essa análise parece acertada. O apoio de alguns governos árabes, sobretudo de Mubarak, do Egito, às campanhas militares de Israel tornou-se tão flagrante, que até o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon (conhecido por suas simpatias por EUA e Israel) reclamou, dia 29/12, depois de iniciada a agressão militar contra Gaza, de os governos árabes "não estarem fazendo o necessário" para auxiliar os palestinenses de Gaza; ao mesmo tempo, diplomatas israelenses e grande parte da imprensa continuaram a criar embaraços para os aliados árabes de Israel, tantos foram os elogios por os árabes, afinal, terem claramente assumido publicamente "um relacionamento" com Israel.
Considerada a extensão da colaboração entre alguns regimes árabes e Israel, nas recentes (des)aventuras militares de Israel, e considerada a horrenda selvageria do ataque a Gaza, o episódio em curso – a chacina de Gaza – está sendo avaliada como particularmente significativa, em termos de avaliação estratégica, e muito grave, no contexto do conflito em todo o Oriente Médio, na medida em que (i) é ataque militar contra um governo eleito (do Hamás); e (ii) é ataque militar direto aos que defendem a criação de um Estado da Palestina (nas palavras de Nasrállah, dia 29/12: "é ataque militar direto contra o destino da Palestina").
Dado que o Hamás manifesta a causa da defesa de um Estado da Palestina e, assim, define a identidade política de seus aliados regionais, o conflito em curso, em Gaza, põe em disputa e sob ataque não só essa causa mas a causa de todos os grupos que trabalham nos movimentos de resistência a Israel. Nasrallah foi muito claro quanto a isso, em sua fala de 28/12:
"O que está acontecendo em Gaza terá repercussões não só sobre Gaza e a Palestina, mas para toda a umma [termo usado para fazer referência a uma "nação árabe" em contexto nacionalista e secular e, também, a toda a comunidade muçulmana em todo o planeta]. Temos de continuar a trabalhar. Não basta uma manifestação aqui, um comício ali. Todos temos de lutar para nos defender e defender os pobres."

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