terça-feira, 2 de março de 2010

Trabalho Escravo

25/2/2010

'Metade dos libertados nos últimos três anos foram nos canaviais', afirma frei Xavier Plassat


A Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou dados sobre denúncias, casos registrados e libertações de 2009. Dos 4.274 trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão no país no ano passado, 1.582 (37%) foram libertados na Região Sudeste - com destaque para o Rio de Janeiro, com 715 (16,7%) registros.

Para Xavier Plassat, coordenador da campanha da CPT, os números relativos a 2009 revelam dois efeitos. O primeiro é o "efeito canavial". "Em nível nacional, observamos que metade dos libertados nos últimos três anos foram nos canaviais. E quando a libertação se dá no canavial, não são três ou quatro pessoas. São 200 ou 500 pessoas. Bastam poucos casos para que esse setor apareça com destaque nos dados estatísticos". O outro efeito está ligado à maior abrangência das operações dos auditores fiscais, isto é, "um empenho maior da fiscalização em regiões onde os fiscais não chegavam para averiguar a questão do trabalho escravo". Segundo o frei, “o número de denúncias em 2009, na Região Norte, foi de 113, e as fiscalizações foram 62. Praticamente uma em cada duas denúncias não foi fiscalizada. Ou seja, aqueles prováveis escravos que a denúncia apontava não chegaram a entrar nas estatísticas porque ninguém foi lá para ver”.

"Não significa necessariamente que a escravidão se espalhou para esse estados. Significa que, pela primeira vez, estamos revelando a sua existência graças a uma fiscalização", completa o frade dominicano. Mais de 38 mil pessoas foram libertadas de 1995 a 2009, de acordo com o balanço. Como pontos preocupantes, Xavier destaca que apenas uma entre duas denúncias de trabalho escravo colhidas na Região Norte foram averiguadas. "Ou seja, aqueles prováveis escravos que a denúncia apontava não chegaram a entrar nas estatísticas porque ninguém foi lá para ver", afirma Frei Xavier Plassat em entrevista ao programa semanal de rádio Vozes da Liberdade, no início deste mês de fevereiro.

A reportagem e a entrevista são de Bianca Pyl e Maurício Hashizume e publicada pelo sítio Repórter Brasil, 23-02-2009.

Eis a entrevista.

Qual é a avaliação geral sobre os dados de 2009?

Existe uma tendência do crescimento de libertações nas Regiões Sul e Sudeste. Em 2009, houve uma explosão: 37% dos libertados estavam no Sudeste. Foram libertadas, portanto, 1.582 pessoas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Na minha opinião, são dois efeitos. Primeiro, essas libertações foram, especificamente, em canaviais. Então temos o efeito canavial. Em nível nacional, observamos que metade dos libertados nos últimos três anos foram nos canaviais. E quando a libertação se dá no canavial, não são três ou quatro pessoas. São 200 ou 500 pessoas. Bastam poucos casos para que esse setor apareça com destaque nos dados estatísticos.

O segundo efeito é o envolvimento crescente na fiscalização do trabalho escravo dos fiscais das antigas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), chamadas hoje de Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs).

Em 2009, nós chegamos a um recorde: mais da metade das libertações e das operações de combate ao trabalho escravo foram realizadas por equipes locais. Nós temos, então, a conjugação de um empenho maior da fiscalização em regiões onde os fiscais não chegavam para averiguar a questão do trabalho escravo. Isso explica porque, pela primeira vez em 2009, nós temos casos em praticamente todos os estados do Brasil.

Não significa necessariamente que a escravidão se espalhou para esse estados. Significa que, pela primeira vez, estamos revelando a sua existência graças a uma fiscalização. Tem uma contrapartida a isso, inclusive um pouco negativa: em 2009, a Região Norte sofreu um déficit de fiscalização.

Poderia nos dar mais detalhes sobre esse problema do déficit?

Falo déficit de fiscalização quando comparo o número de denúncias de trabalhadores que fugiram de fazendas e procuraram o sindicato, a CPT ou outras entidades ligadas aos direitos humanos para dizer: "os fiscais precisam ir até o local porque não aguentamos mais". O número de denúncias em 2009, na Região Norte, foi de 113, e as fiscalizações foram 62. Praticamente uma em cada duas denúncias não foi fiscalizada. Ou seja, aqueles prováveis escravos que a denúncia apontava não chegaram a entrar nas estatísticas porque ninguém foi lá para ver.

Enquanto no Sul e no Sudeste praticamente todas as denúncias foram fiscalizadas. E são muito menos no Sudeste e no Sul. Nós tivemos conhecimento de, no máximo, 20 a 30 denúncias desse tipo em cada uma dessas regiões. No Centro-Oeste, foram 38, no Nordeste, 40, enquanto no Norte, 113. Em 2008, foram 131 denúncias na Região Norte. E a taxa de fiscalização também não foi superior a 60% - mais precisamente 88 atendimentos.

Ou seja, a despeito dos números chamativos da cana-de-açúcar, o trabalho escravo ligado à pecuária e à produção de carvão vegetal nas regiões de fronteira agrícola do país continua sendo significativo. Como fazer para atender essas duas frentes, sem que haja prejuízo?

Temos que discutir com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para agilizar uma fiscalização muito mais rápida e mais eficiente em regiões de difícil acesso. Em segundo lugar, temos que ver como remanejar equipes do grupo móvel de fiscalização para que atender essas necessidades. Na hora do planejamento, é preciso manter uma vigilância grande para que não se deixe sem atendimento regiões tão importantes [de fronteira agrícola] e onde, em geral, os casos de trabalho escravo são, inclusive, mais violentos, mais cruéis.

Em terceiro, temos que continuar apostando na fiscalização pelas equipes regionais. Eu recentemente conversei com a direção do grupo móvel e uma orientação para 2010 será justamente destinar, de forma prioritária, as equipes do grupo móvel para a Região Norte e reforçar o potencial de fiscalização das SRTEs do Norte e de incentivar as SRTEs do Sul, Centro-Oeste e Sudeste em continuar se envolvendo cada vez mais nas fiscalizações.

Mesmo com números expressivos da repressão ao crime, o problema ainda persiste. Como quebrar o ciclo do trabalho escravo no Brasil?

O trabalho escravo continua porque continua a disponibilidade de grandes contingentes de mão de obra que não encontram alternativas de emprego decente nas regiões onde vivem. E continua porque o empregador aposta na possibilidade de "arrancar o couro" do trabalhador quando eles vêm de longe e estão desprotegidos, em situação de vulnerabilidade.

O primeiro aspecto exige uma ação radical de geração de emprego, de qualificação profissional, de facilitação de reforma agrária e do acesso à terra nas regiões de origem, no Nordeste - Maranhão, Piauí, Alagoas, Bahia -, no norte de Minas Gerais, no Tocantins, e em algumas regiões do Pará e do Mato Grosso, de onde vêm esses trabalhadores rurais.

Os trabalhadores, na maioria dos casos, não são trabalhadores residentes daquela região de onde são libertados. Mesmo quando eles são libertados no Paraná, eles vieram do Vale do Jequitinhonha. Quando são libertados em São Paulo, eles vêm da Bahia, de Alagoas, do Tocantins ou do Maranhão. Significa que o problema é lá: está na região de origem.

O segundo aspecto é intensificar não somente a fiscalização, que é o primeiro passo da repressão, mas também a punição. A prisão começa a aparecer como uma pena, enfim, definida pela Justiça Federal. Em 2009, tivemos mais de 35 condenações. O impedimento de comercializar, de receber financiamentos, por meio da "lista suja" do trabalho escravo e do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo também é importante.

Mas existe um passo simbólico, uma queda de braço entre os que no fundo continuam defendendo essa prática como meio de lucrar e os que se recusam a aceitar esse crime em pleno século XXI, que é o confisco da terra.

A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 seria um recado claro para todo mundo: "a propriedade nunca pode ser colocada acima da dignidade do trabalhador e da vida". Confiscar a terra que foi instrumento da escravização seria um sinal decisivo de que, em nenhuma hipótese, a terra, a propriedade, pode ser usada para escravizar a vida alheia.



Cana-de-açúcar: altos impactos socíoambientais


A safra 2008/09 da cana-de-açúcar terminou com uma série de impactos socioambientais negativos, como violações aos direitos trabalhistas, degradação ambiental e desrespeito aos direitos de populações indígenas. Essas são algumas conclusões do último relatório do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da ONG Repórter Brasil.

A notícia é da Agência Envolverde, 26-02-2010.

O estudo faz uma análise dos vetores que puxaram a produção de cana no país em 2009. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira atingiu 612,2 milhões de toneladas em 2009, alta de 7,1% em relação ao período anterior. O estado de São Paulo concentrou 57,8% da produção e colheu 354,3 milhões de toneladas, 2,5% a mais do que em 2008.

Além do preço do açúcar, que estimulou o setor em 2009, o etanol também serviu de motivação para os usineiros. A venda de veículos flex, ou seja, que podem utilizar gasolina ou etanol, representaram 92,3% do total de unidades negociadas no país em 2009. Foram 2,6 milhões de veículos novos vendidos ao longo de 2009, uma alta de 13,9% em relação ao ano anterior, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

O grande problema, segundo o relatório do CMA, é que o aumento a produção de cana-de-açúcar e de etanol tende a ser feito sobre bases pouco comprometidas em termos socioambientais. Uma análise das condições trabalhistas do setor é reveladora. Em 2009, 1.911 trabalhadores escravos foram libertados no setor da cana nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, e Rio de Janeiro.

Em São Paulo, onde está a maior parte da produção, os problemas trabalhistas se concentram no excesso de jornada e em más condições de segurança, higiene e alimentação. As violações em termos laborais não envolvem apenas pequenos produtores. Vale lembrar que a Cosan, maior grupo sucroalcooleiro do país, foi inserido em dezembro de 2009 na "lista suja" do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego – e saiu em seguida, após liminar obtida na Justiça.

Propostas para enquadrar o setor sucroalcooleiro em 2009, o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar (ZAE) e o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar permanecem no papel. Enquanto o ZAE depende de avaliação pelo Congresso Nacional, os gestores do "Compromisso" ainda não definiram como será feito o monitoramento das usinas signatárias.

Estimativas dão conta de que 600 mil hectares de Cerrado nativo poderão ser convertidos diretamente em cana até 2035 e outros 10 milhões, hoje com outras atividades agropecuárias, correm o risco de se tornarem grandes canaviais. Estados com áreas de expansão, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, tiveram em 2007 e 2008 áreas de floresta convertidas em cana.

O estudo do CMA também faz uma alerta sobre a segurança alimentar do país. A tese do governo e do setor sucroalcooleiro de que a expansão da cana se dará, sobretudo, sobre pastagens degradadas pode ser uma tendência para o futuro, mas não é em todo verdadeira. De acordo com o Canasat, sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nos estados de Minas Gerais, Goiânia, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso foram principalmente as culturas alimentares que perderam área para a cana nos últimos anos.

O relatório também traz análises sobre os impactos causados pela cana a populações indígenas. Problemas fundiários entre produtores de cana e indígenas são graves no Mato Grosso do Sul. Entre as 42 Terras Indígenas já reconhecidas no Estado, grande parte se concentra na região da expansão canavieira no Cone Sul do Estado. De acordo com o Ministério Público Federal, 16 usinas estão localizadas nos municípios sul-mato-grossenses onde há terras já identificadas e delimitadas pela Funai.

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