quarta-feira, 22 de junho de 2011

Wilza Carla


A atriz Wilza Carla morreu na madrugada de domingo (18/6), aos 76 anos no Hospital das Clínicas, em São Paulo, de uma combinação de diabetes e problemas cardíacos. Morreu esquecida – tanto pessoalmente, já que sua memória não lhe servia como antigamente, como pelo público, que por décadas a acompanhou em telenovelas e também nos cinemas, e pelos amigos, que supostamente não a visitavam há anos.
“Sinto que para muitos ela já tinha morrido há muito tempo”, comentou Paola Faenza Bezerra da Silva, a filha da atriz, frente ao infortúnio. Ela tem certa razão: o público brasileiro em geral abandonou Wilza Carla quando os papeis começaram a minguar. Frente à morte e ao sepultamento tardio – só na terça (21/6) foi transferida para o Rio de Janeiro e velada sem maior alarde -, a atriz voltou ao foco na mídia que tinha também a esquecido.

A Rainha do Carnaval carioca dos anos 1950
As homenagens mapeiam seus momentos mais célebres em qualquer tela – em especial, na novela “Saramandaria” (1976), da Globo, onde ganhou notoriedade com a personagem Dona Redonda. Este foi, para todos os registros, um dos momentos definitivos do humor na ficção brasileira. Dona Redonda, o surrealismo em pessoa, um dia explodiu de tanto comer e deixou uma cratera no chão. Wilza, então nas graças do público, acabou retornando à atração no papel de Dona Bitela, a gêmea de Redonda.
Muito antes dessa popularidade, porém, a atriz já batalhava por seu arroz e feijão. Aos 17 anos, foi descoberta por Carlos Manga na porta da escola e, a seu convite, filmou participação no filme “Chico Viola Não Morreu” (1955) – e o fez escondida dos avós, seus tutores legais, que se opunham às suas inclinações artísticas e a impediam até mesmo de tomar aulas de ballet.

O humor farto da atriz nos anos 1960
À época da estréia de “Chico Viola”, Wilza havia sido expulsa do colégio, mas pouco importava: sua vocação estava definida.
A partir daí, seguiram-se décadas de trabalho incansável, em cinema, teatro e televisão. Ainda nos anos 1950, fez figurações em filmes como “Leonora dos Sete Mares” (1956) e na produção italiana “Pani, Amore e Carnavale” (1955), na época em que o cinema europeu era aberto aos talentos estrangeiros (vigorava a opção de filmar com cada ator desempenhando no próprio idioma, para que fossem posteriormente dublados em italiano).

A inesquecível Dona Redonda da novela Saramandaia
No teatro, atuou em peças “sérias”, mas foi mesmo o Teatro da Revista que lhe garantiu a reputação e serviu como escola para a comediante em formação. O gênero, marcado pelas apresentações musicais e a comédia ponderada por críticas leves, alçou-a à condição de uma das principais vedetes do país.
Na época, Wilza dominava o Carnaval carioca, no qual foi eleita Rainha em três ocasiões diferentes, todas elas consecutivas – feito inédito e até hoje inigualável. Àquela altura, Wilza já construia uma persona para si. Sempre fora cheinha, mas quando passou a usar modelitos cada vez maiores, agregou a silhueta enorme à seu charme.

Em Os Monstros de Babaloo, com Betty Faria
No início da década de 1960, passou a se dividir entre os palcos brasileiros e portugueses, encenando para os lusos os maiores sucessos de suas montagens tupiniquins. E as ofertas de trabalho fluíam da Europa: em 1967, participou do filme sueco “Palmeiras Negras”, rodado no Rio pelos diretores Lassen Ligrend e Iulin Bohi. Contracenou com Bibi Andersson, a mesma que acabara de ser conduzida por Bergman no clássico “Persona” (1966), e venceu um prêmio no Festival de Palermo pela interpretação.
Nos anos 1970, correu riscos, acertou e se consagrou. Fez desde produções baratas da boa do lixo, como o cult quase explícito “Os Monstros de Babaloo” (1970), de Elyseu Visconti, até clássicos do cinema brasileiro, como “Os Herdeiros” (1970), de Carlos Diegues, e “Macunaíma” (1969) e “Guerra Conjugal” (1976), estes de Joaquim Pedro de Andrade.

Ainda Agarro Esta Vizinha
Mas tornou-se conhecida mesmo ao enveredar pela pornochanchada em filmes com títulos sugestivos: “Ainda Agarro Esta Vizinha” (1974), “As Massagistas Profissionais” (1976), “A Ilha das Cangaceiras Virgens” (1976), “Socorro! Eu Não Quero Morrer Virgem” (1977), “As Eróticas Profissionais” (1977), “Será Que Ela Aguenta?”, “Loucuras, o Bumbum de Ouro” (1979), “Põe Devagar… Bem Devagarinho” (1983), “Bacanal na Ilha da Fantasia” (1984), etc.
Na TV, migrou das novelas da Tupi para arrebatar a Globo como a célebre Dona Redonda, consagrando seu estilo abusado e desinibido. E consagraria sua absoluta capacidade de extrair humor dos seus quilos extras sem soar apelativa ou grotesca, com um convite do lendário diretor italiano Federico Fellini para estrelar “Casanova” em 1977. Ela interpretaria uma mulher gigante. Mas as negociações não prosperaram. Uma pena.

A era das pornochanchadas
Na década de 1980, casou-se, teve a filha e firmou-se como jurada de TV, no Programa Silvio Santos e para Raul Gil. Continuava na mídia, mas a saúde começava a se debilitar cada vez mais. Em uma de suas internações – não só pela diabetes, mas também pela pressão alta e a trombose nas pernas -, precisou da ajuda dos amigos e artistas famosos para pagar as contas de hospital.
Em 1988, fez seu último filme, uma produção internacional com vários atores britânicos: “O Prisioneiro do Rio”, do polonês Lech Majewski (roteirista de “Basquiat – Traços de uma Vida”), baseado na vida de Ronald Biggs, o famoso criminoso inglês que cantou com os Sex Pistols e teve um filho na Turma do Balão Mágico.

Wilza Carla nos anos 1970
Em 1991, encerrou sua carreira nas novelas, no papel de Maria Gasolina em “Ana Raia e Zé Trovão”, da Manchete.
Wilza conservou alguns hábitos, como desfilar no Carnaval em fantasias extravagantes, até certo ponto da década de 1990. Foi quando os problemas de saúde se agravaram e perduraram por mais de 15 anos. Sofreu de depressão profunda e entrou e saiu do hospital várias vezes pelos anos seguintes.

Wilza Carla nos anos 1980
Em 1995, passou cerca de um ano na UTI e sobreviveu ao coma. A visão ficou comprometida – uma cirurgia na catarata se fez necessária -, a artrose lhe tirou o movimento das pernas e, nos últimos anos, Wilza quase não falou.
Sua morte não surpreende pelas condições em si. Sem o dinheiro e sem os amigos de outrora, amparada apenas pela filha e alguns outros familiares próximos, Wilza teve cada aspecto de sua personalidade corroído. O que surpreende é relembrar suas conquistas e colocá-las em perspectiva. Impressiona que novas gerações de brasileiros não tenham lembranças dessa grande artista.


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