quinta-feira, 31 de março de 2011

Afro e o Meio Ambiente


Gisela d´Arruda




ATITUDES: O MUNDO AFRO-BRASILEIRO E O MEIO-AMBIENTE

Lixo nâo é um problema que ser humano algum possa se dar ao luxo de ignorar, embora muitos ignorem; pagam, pagarão, e nos farão a todos pagar, um preço alto por isso. Alguns anos atrás eu, por gostar muito de jongo, que começara a apreciar em Santa Teresa, frequentava bastante o morro da Serrinha em Madureira. Sempre fui muito bem recebida e certo dia fui convidada para visitar a Pedra de Xangô no alto do morro, convite que me honra até hoje. No caminho a senhora que me guiava, famosa jongueira, ia lamentando que a Comlurb não recolhesse os sacos de plástico que esvoaçavam pelo chão. Aos pés da Pedra, devidamente rachada em dois pela força do raio, encontrava-se a aparente fonte de todos aqueles sacos plásticos. As pessoas chegavam, tiravam do saco que as protegia e arriavam as suas oferendas; iam-se então embora sem maiores preocupações, e a culpa ficava para a Limpeza Urbana.
Isto não é prática específica nem de jongueiros, nem de imperianos, nem de umbandistas e/ou candomblecistas (o jongo tradicionalmente é mais ligado à Umbanda) e sim de estratos onde não chegou a cidadania com plenitude. E tais estratos não se encontram apenas em favelas, haja vista o estado das praias cariocas no fim da tarde de um dia de calor. Em 2010 comemorei o dia de Iemanjá recolhendo 3 sacos médios de lixo entre o Posto Seis e o Leme, sacos, diga-se de passagem, achados in situ, à beira de se tornarem parte da maré. Ou seja, a cidadania ainda precisa abrir muito caminho em muitas cabeças, pouco importando se o dono desperta sentindo o cheiro de maresia ipanemense ou o cheiro da favela da Maré.
Mas quem trabalha com vibração não pode ficar esperando que o poder público traga essa cidadania até cada indivíduo. Cidadania demora a ser digerida. Já participei de maravilhosas fogueiras à beira-mar nas quais ninguém se lembrava de recolher o plástico que a maré trouxera. Faltou cidadania! Quem, como nós, trabalha com folhas precisa cuidar melhor do mato. Inclusive o matinho do fundo do quintal, inclusive o matinho da encosta anônima onde encontramos ervas. Ou encontraremos, se soubermos cuidar. Devemos isso às folhas.
Algum tempo depois do episódio serrano que relatei, o Movimento Inter-religioso do Rio lançou uma louvável iniciativa de limpar e manter limpa uma curva no Alto da Boa Vista onde são arriadas muitas coisas. Porém o Rio capital é vasto, e o estado fluminense maior. Quem leva as suas oferendas à Curva em questão? Uma gritante minoria de devotos. O problema atinge a todos nós, e o universo é holográfico, a parte contem o todo. O que faz mal a você faz mal a mim. Não basta, e acredito que ninguém pensou que bastasse, limpar a Curva ou a Pedra, mas é sim imprescindível mantê-las limpas. Permito-me aplicar o pé da letra as palavras de Chico Xavier, o lugar mais limpo não é o que mais se limpa, é o que menos se suja.
Aqui perto, aos pés do Dona Marta, existe uma encosta de onde também recolhi e recolho muito lixo, história que relatei com pormenores no portal virtual. Cuidava de umas aroeiras que ali havia.
Quando começou a ficar mais limpo e que a Prefeitura inclusive pôs uma placa para impedir construções (dois dias após a limpeza o dono da área, non aedificandi, tentara erguer uma casa, sem dúvida imaginando que se eu limpava seria para instalar-me ali), quando em suma a vibração do espaço melhorou, eis que arriam uma enorme oferenda (para Cigana, creio) com direito a toalha de náilon amarelo e mil coisas mais, e embora não incluísse bicho cortado a oferenda apodreceu, desagradavelmente para todos, até ser soterrada pelo tempo; pois os jardineiros da Prefeitura que se haviam enfim animado a recolher o lixo no matinho, nesse lixo específico não quiseram mexer: nem na semana seguinte nem no mês, nem nunca. E quem arriou achou normal deixar as coisas desintegrando ali.
Morarmos em sociedade exige restrições das quais todos cumprimos algumas sem pensar. Não podemos enterrar nosso mortos aonde nos dê vontade, ao pé da velha mangueira por exemplo. Antepassados nossos puderam, mas nós nos adaptamos. Precisamos adaptar-nos e depressa, inclusive em vista das catástrofes a que vimos assistindo tão perto de nós, também no nosso fazer religioso. O orixá não gosta de mato sujo nem de saco plástico, disso podemos ter certeza. Não gosta de mato devastado por incêndio: precisamos nos adaptar quando o ebó pede vela acesa deixada no local.
Pessoalmente quando vela não dá, eu troco por cristal, pois o cristal branco contém o fogo simbólico. Essa é a minha receita, cada um tem a sua. Ou precisa achá-la, em nome das folhas. E sem folha, não é preciso dizer, não há orixá.



Bio- Gisela d´Arruda é autora entre outros de UMBANDA GIRA! e de SINAIS DE VIDA. Na Umbanda, desde que deixou o terreiro, não trabalha diretamente para público salvo em casos especiais. Mantém o portal e blog caminhodasfolhas.

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