sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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Somos assim, fazer o quê?

Edson Cardoso


O espaço político da luta contra o racismo ficou ainda mais estreito com a derrocada da Seppir. É fato que no episódio da exoneração de Matilde Ribeiro , Carlos Eduardo Trindade e Antônio Pinto (Toninho) alcançamos uma rara confluência : governantes e opositores , todos pareciam satisfeitos com o rumo dos acontecimentos .
É certo ainda que Matilde Ribeiro nunca exerceu propriamente uma liderança em nosso meio , e o bombardeio midiático tampouco favorecia, pela natureza das denúncias , o desenvolvimento de relações minimamente solidárias. Por isso mesmo a reação de seus presumidos companheiros veio a frio , quando o sentido concreto da solidariedade partidária ou étnica tinha já se esvaído. Restaram aquelas manifestações constrangedoras de reconhecimento tardio , post-mortem, que as palmas entusiásticas na solenidade de posse do sucessor não conseguiam transformar em companheirismo .
Em Macapá, dias depois da exoneração dos três dirigentes da Seppir, diante de uma platéia que lhe cobrava ações mais efetivas, o Secretário de Promoção da Igualdade Racial do Amapá defendia-se argumentando que ninguém ali ignorava o fato de que sua secretaria não tinha orçamento .
O processo de institucionalizaçã o das demandas do Movimento Negro tornou rotineiras, nos últimos anos, em todo o país , cenas dramáticas como a de Macapá. Ao que parece, não aprendemos as regras do jogo político-partidá rio, embora já se tenham esgotado todas as experiências com as siglas disponíveis no mercado , desde o governo Montoro em São Paulo, no início da década de 80. O jogo acabou sem que tenhamos aprendido a jogar ? Ou o jogo que devemos jogar é outro , distante dos controles partidários ?
No longo relato que fez de sua experiência como presidente da República , Fernando Henrique Cardoso reservou apenas dois parágrafos ao que chamou de “a questão dos negros ”. O livro tem ao todo setecentas páginas e não há, nas trinta linhas que dedicou ao tema , nenhuma alusão ao Movimento Negro . Nem ao menos fez referência aos negros do PSDB. Que também não reclamaram.
Se, por um lado , seu objetivo no governo era , “ sem radicalismos , mudar gradualmente a política racial do Brasil, por outro lado ponderava que “ Com o sincretismo e a miscigenação vigentes é impossível , além de ser inconveniente , traçar linhas rígidas de cor e, pior ainda , de raça ” (p.550). Uma não exatamente no cravo e a outra na ferradura , como é do estilo do autor (A arte da política , 2ª ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira , 2006).
o presidente Lula , no dia 20 de novembro de 2007, no Palácio do Planalto , pouco mais de dois meses antes das mudanças na Seppir, exortava, de modo paternal , Matilde Ribeiro a que fosse menos ‘ humilde ’ e buscasse os recursos necessários ao desenvolvimento da Agenda Social Quilombola junto aos ministros da Fazenda e do Planejamento : “... se tudo isso não der certo , Matilde, aí você me procure e carinhosamente nós vamos resolver esse problema ”. Na ocasião , o presidente também responsabilizou a imaturidade política do Movimento Negro pela não aprovação do Estatuto da Igualdade Racial , que tramita no Congresso , e disparou, à la Manolo Florentino , a infâmia da paz nas senzalas : “... vocês esperaram mais de três séculos para começar a cobrar as coisas que vocês tinham direito ...”
O Movimento Negro não merece uma citação no livro de FHC porque o ex-presidente entende que há muitas inconveniências e impossibilidades em nossas reivindicações de políticas públicas. Não são oportunas, estão deslocadas, não são próprias ou adequadas à realidade brasileira . O presidente Lula acrescenta que somos acomodados e demasiadamente humildes no jogo político-institucion al. E somos imaturos . Lula foi enfático nesse ponto : “ Ora , então pelo amor de Deus , amadureçam politicamente e construam não aquilo que é o ideal para cada agrupamento , mas construam uma proposta que seja consensual, que possa permitir que haja avanço ”.
No passado , aprendemos na História Oficial , os africanos escravizados foram os principais responsáveis pelo longo período de escravização. Somos a raça que cantava no suplício , como disse um poeta . A versão historiográfica infamante é a adotada também na Esplanada , como vimos acima . No presente , nossa humildade , nossas desavenças impedem que possamos compreender as regras mínimas do jogo político . Por essa leitura , há algo de profundamente errado conosco . É fácil depreendermos aqui o que significa “a questão dos negros ”: somos a essência do problema . Ou melhor , os negros são o problema , com suas limitações intrínsecas, sua humildade , suas brigas tribais , ou , quando há muita condescendência , com o baixo ‘ poder de fogo ’ de suas entidades e organizações .
O mais grave nisso tudo é que os agrupamentos negros partidários acabam, em sua inércia , por validar e legitimar essa leitura e seus fundamentos ideológicos, profundamente racistas . A derrocada da Seppir não parece ter afetado em nada a disposição que anima há décadas essa inserção subalternizada. Nas diferentes siglas - PMDB, PSDB, PPS, PDT, PC do B, PT – somos assim : servos humildes e cordiais . Fazer o quê ?


FONTE
Edson Cardoso -  vida e profissão entregue à militância pela igualdade racial

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