terça-feira, 24 de agosto de 2010

Construir a Diferença

Quem vai construir a diferença?’.

Carlos Lessa na Unisinos


Carlos Lessa é realmente um nacionalista. Suas falas, mesmo as mais críticas, demonstram o amor que têm pelo país. É veemente ao comparar os números do Brasil com o de outros países e apontar nossas falhas políticas e econômicas sem deixar, como todo bom carioca, de fazer o público rir.

Ao falar do Brasil, diz que, em primeiro lugar, essa crise mundial vai ser de difícil resolução. Vai demorar muito porque, diz ele, um dos produtos da bolsa de mercadorias que mais sofre com as crises é o petróleo que “desarruma ainda mais o que já está desarrumado”. Ele afirma que o Brasil é o único país que pode sair da crise sem uma revolução tecnológica. “Como se resolve essa crise e as que virão?”, questiona e logo responde: “com inovação energética”. O mundo está passando pela crise da segunda revolução industrial e não há saída fácil para ela. “O Brasil pode sair da crise sem a revolução porque ainda não faz parte da segunda industrial”, salienta.

Lessa conta que cada brasileiro sofre seis vezes mais chances de morrer do que um japonês. São 300 mil acidentados por ano e cada um deles fica, em média, nove dias no hospital. “Calculem isto!”, pede. O veículo japonês anda, em média, um sexto em relação ao veículo brasileiro, porque a estrutura de transporte dos japoneses está baseada na ferrovia e aquavia e nós transportamos, do Oiapoque ao Chuí, por caminhão. Além disso, 92% das pessoas são transportadas por veículos automotores. “O Brasil, ainda hoje, não tem ligação aquoviária com o Pacífico; no século XIX, os EUA já tinham três. Em quatro anos podemos mudar a estrutura logística do país. Em quatro anos construímos Brasília, então conseguimos fazer essa mudança também”, indica ao próximo presidente, pois Lessa defende que a transformação desse ponto é uma proposta de crescimento real da economia brasileira

E volta: “a crise é longa e o Brasil pode sair dela apoiado em suas próprias forças, mas com um projeto nacional podemos romper com os grilhões da crise”. Lessa traz, então, os principais temas que deveriam ser tratados nos debates políticos: Idioma, nação, cultura e educação. “É assim que nasce a pátria e todos, em princípio, devem defender a pátria”, diz. O economista apoia a ideia de que a educação no Brasil precisa mudar de ponta cabeça. É essa solução, que parece simples, que ele apresenta para o país. E qual é a posição dos candidatos à presidência sobre isso? Lessa responde: “Ou não tem nada para dizer ou falam que vão construir escolas profissionalizantes, como se educação servisse apenas para garantir emprego”.

Sobre energia, o professor diz que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e tem a mais alta percentagem de combustível renovável. Além disso, o país tem um sexto das reservas mundiais de petróleo e domínio completo de urânio pesado. E mais: temos a Petrobras que se converteu numa das cinco principais empresas de petróleo do mundo. Lessa conta que, desde 1970, a geologia brasileira sabe que existe petróleo abaixo da camada de sal do mar. “O pré-sal dobra as reservas brasileiras e, se os dados sobre a quantidade de barris estiverem correto, o Brasil passa a terceiro no ranking mundial”. No entanto, diz ele, “não abram champagne e não comprem ações da Petrobras, porque investir em petróleo é maldição”. E cita os exemplos da Indonésia e do México, como países que quebraram por causa do petróleo. “É impossível, com o petróleo, ter atividade comercial funcionando, foram isso que os holandeses descobriram com o gás, acabou o gás, acabou a Holanda. Eu, como sul-americano, vejo essa mesma doença na Bolívia e na Colômbia”, detalha.

A Noruega é, para Lessa, um exemplo positivo de investimento no petróleo. “O Brasil pode ser uma Noruega tropical. Eu sonho com um negócio desses.” O petróleo pode ser, portanto, uma saída importante para o Brasil porque ele é matéria-prima para três mil produtos. Como? “Racionalizando para os combustíveis, montando uma matriz energética renovável, transformando a logística e sentando em cima do petróleo”, responde. Na medida em que as reservas vão acabando, fontes cada vez piores são utilizadas. Lula disse, e Lessa concorda, que o Brasil não exportará petróleo cru e que utilizará todos os efeitos dinâmicos do recurso e, por fim, que os lucros serão sociais. Mas o presidente não está cumprindo isso. Tanto que já fez acordos internacionais inacreditáveis, na avaliação do economista. “Espero que o debate presidencial reflita o pré-sal de forma séria. Os candidatos têm que se pronunciar de maneira clara e inequívoca sobre a questão do petróleo”, indica.

Lessa fala do povo de maneira muito amorosa e elogia: o povo brasileiro é maravilhoso porque sabe viver com esse tipo de elite que permanece no poder há muitos anos. “Nossa elite conseguiu manter a escravidão quase até o século XX e fez a abolição sem dar qualquer direito aos negros”, relembra. Ao falar da Reforma Agrária, Lessa repete que o povo é admirável porque sobrevive com uma elite que não lhe dá a menor importância. A cidadania do brasileiro não existe, segundo o professor, e é exatamente por isso que o povo é tradicionalista e conservador ao mesmo tempo em que é criativo e improvisador. O exemplo, obviamente, gera risos. Lessa lembra de uma senhora que conheceu que, para se defender de uma doença que impossibilitava suas vacas de produzir leite, tinha uma estratégia peculiar. “Ela amarrava arruda por todos os espaços da sua fazendinha, acendia um charutão e caminhava pelo lugar, botava um santinho na sala e, por via das dúvidas, chamava um veterinário”. A comida a quilo é outro exemplo que Lessa dá, “porque ela dá a opção da diversidade ao indivíduo”. O economista mostra, com todos os exemplos que dá, o quanto gosta de entender e trazer ideias para e do povo brasileiro.

Ele finaliza a palestra dizendo que a atual civilização brasileira não pode ter nenhuma hostilidade aos padrões que chegam de fora, porque tudo o que vem de lá é digerido aqui no país. “É o único povo que pode ser nacionalista sem ser arrogante. Nós temos um povo admirável e uma elite que não vale nada. A Constituição, mesmo com as emendas constitucionais, está aí e tem coisas muito boas e que sequer foram afloradas pelo debate”. E, enfatiza dizendo que nossos sucessores presidenciais não estão abrindo espaço para essas questões. Ao fechar sua fala, desafia o público: “entre os dois principais candidatos, quem vai construir a diferença?”.

Carlos Lessa veio até à Unisinos convidado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU que promove o Ciclo de Palestras: Perspectivas socioambientais e econômicas do Brasil 2010-2015. Limites e possibilidades. No dia 05 de outubro, o professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor debaterá sobre as transformações do capitalismo brasileiro.

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