sexta-feira, 9 de abril de 2010

Tragédia no Rio de Janeiro


TRAGÉDIA NO RIO
Dramas sob a lama e o lixo
Os relatos de quem sofreu com o rio de terra, água e detritos que deslizou em Niterói e deixou rastro de 200 desaparecidosUma cicatriz barrenta escalavrada no morro esperava ontem à tarde pelo confeiteiro Jorge Luís da Silva, 29 anos. Ele viera às pressas, alarmado pelas notícias. Deparou com a pasta mole das toneladas de lama que havia escorrido encosta abaixo. Engolidos por ela, casas, igreja, creche, restaurantes, estabelecimentos comerciais e os corpos de cerca de 200 moradores – entre eles, o de sua filha Taiane, 13 anos.

– Ela estava cheia de sonhos. Agora, está debaixo do lixo – desesperou-se.

Taiane morreu com a mãe, a avó e mais três familiares no Morro do Bumba, a montanha de lixo que explodiu e desabou em Niterói na noite de quarta-feira, sepultando em detritos uma comunidade inteira e adicionando uma tragédia ainda maior à tragédia das águas que o Rio de Janeiro já vivia. Até a noite de ontem, a contabilidade oficial no Estado era de 179 mortes, 105 delas em Niterói.

O deslizamento mais mortal dos muitos que ocorreram desde a terça-feira, quando os fluminenses começaram a viver a maior chuva da sua história, foi também o mais previsível. O Bumba era uma bomba. Aterro sanitário entre 1970 e 1985, recebeu toneladas de lixo em seu platô, que elevaram em alguns metros a sua altitude. Foi sobre esse terreno insalubre e frágil que mais de uma centena da famílias construiu suas casas, suas vidas – e também suas mortes. Ignorados, bolsões de gás metano gerados pela decomposição da imundície escondiam-se alguns centímetros abaixo das ruas. Na noite de quarta, quando o solo frágil começou a ceder por causa da chuva, o gás escapou e provocou explosões. As explosões serviram de combustível para o processo de desabamento, que engolfou cerca de 50 casas.

– Trata-se de um terreno insalubre que nunca deveria ter sido ocupado – afirmou a secretária estadual do Ambiente, Marilene Ramos.

Entre as centenas de sobreviventes que passaram o dia no morro à espera de alguma notícia sobre parentes soterrados, a estudante Gisele Barbosa, 27 anos, recordava os momento de terror da véspera. Ela estava dentro de casa com o filho de quatro anos quando o marido chegou, gritando que havia uma avalancha. Ele ouviu um estrondo e conseguiu avistar uma onda de barro rolando desde o alto. Pulou uma escada com o filho e correu pela rua, enquanto as casas ao redor desapareciam.

– Parecia um filme de terror. As pessoas começavam a gritar e, em instantes, eram levadas pela terra. Gritavam, morriam. Gritavam, morriam.

Cerca de 300 bombeiros, policiais militares, operadores de máquinas e agentes da Força Nacional passaram a madrugada e o dia garimpando os moradores, agora silentes e irreconhecíveis, sob a lama e o lixo. Até o final do dia, algumas vezes debaixo de chuva forte, haviam localizado apenas 15 corpos: cinco mulheres, seis homens, uma criança e três não identificados. O governador Sérgio Cabral afirmou que essa contabilidade dolorosa deve se estender por duas semanas, tempo que será necessário para resgatar todos os cadáveres do meio das toneladas de lama. O trabalho será ininterrupto – à noite, ocorrerá com o auxílio de canhões de luz. Será um esforço sem compensações. Não há esperança de encontrar sobreviventes.

– Nós, bombeiros militares, dizemos sempre que trabalhamos pensando que vamos encontrar pessoas vivas. Mas nesta situação é difícil. Não há a menor condição das pessoas saírem com facilidade. Temos muito pouca esperança – avisou já no começo do dia o subcomandante do Corpo de Bombeiros, coronel José Paulo Miranda.

Apesar da inutilidade da esperança, a moradora Aline Carvalho, 28 anos, não resistiu quando o corpo de sua cunhada apareceu entre os que foram encontrados pelo bombeiros. Passou mal e teve de ser socorrida. Perto dela, Therezinha Maria Teixeira, de 65 anos, fazia vigília pelo sobrinho de cinco anos desaparecido, esperando o milagre.

– Enquanto há vida, há esperança. É difícil, mas não é impossível encontrá-lo com vida – dizia.

Na segunda-feira, 48 horas antes da catástrofe, duas casas já haviam desabado no morro após um deslizamento. Cinco pessoas morreram, e a Defesa Civil pediu a moradores das imediações para deixar seus lares por causa do perigo. Em consequência, pelo menos 30 resolveram procurar hospedagem em um lugar que imaginavam seguro: a casa de vizinhos no alto do morro.

Agora estão no meio do barro.



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