quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ruy Carlos Ostermann


Constrangedoramente pessoal
Ruy Carlos Ostermann

Decidi, sem nenhum ressentimento prévio, refazer o lugar dos meus livros nas estantes que circundam minha mesa de trabalho (papéis, livros, cola, carimbo, pente, mais papéis de outra procedência, uma pilha de CDs, dois cadernos, uma fita verde, dois esparadrapos, um marcador de páginas quebrado, um pote de cerâmica com esferográficas, um pincel ressecado, dois lápis sem ponta, uma escova de roupa, várias borrachinhas e clipes, um pouco de pó, outro tanto de cupim). Estantes que entram pelo corredor, sem sucesso. Falta espaço, sobram livros, ou vice-versa.

Sempre há surpresas e, de alguma forma, a biografia recente fica atualizada. Já falei do último Nabokov. Ele, agora com duas edições impecáveis e elegantes, está num lugar proeminente, quase iluminado pela franja que vem da janela que abre para o pátio e as árvores. É uma conquista desses tempos apressados de leitura oblíqua. Já viajou comigo, voltou para a beira da cama, saiu de lá outro dia cheio de anotações e entusiasmos (foi do que escrevi) e agora repousa no lugar preferencial, entre outros Nabokovs e não muito longe do Noam Chomsky, o que só pode ser melhor entendido pelo caráter acidental da ordem ortográfica.

Mais nenhuma surpresa. A lenta e nova acumulação dos livros só me dá orgulho. As identificações começam antes de 1950, são escritas de um modo que só abandonei bem mais tarde: o de resumir meu nome como Ruy Carlos, e em letra redonda de alfabetizador.

Agora é um traço com direito a um corte no L, que tem certa nobreza ou significa, sem que eu soubesse, uma advertência aos pósteros e a mim mesmo.

Refazer o lugar dos livros na estante é uma experiência constrangedoramente pessoal.

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