sexta-feira, 23 de abril de 2010

Inclusão do Esporte

Jornal Correio Brasiliense - 19/04/2010

A inclusão pelo esporte




Alexandre Braga
Africanista, é membro da União de Negros pela Igualdade (Unegro)
bragafilosofia@ yahoo.com. br

A cultura foi por onde o negro mais conseguiu escoar sua produção, mostrar capacidade e talento, além de servir como principal vitrine para, no jogo civilizatório, elevar a sua autoestima. Quanto a isso, não restam dúvidas. A cultura negro-africana está impregnada na alma do povo brasileiro. Mas foi no esporte, por meio dele, que os negros tiveram verdadeira ferramenta de ascensão social ou que pelo menos lhes possibilitaram vislumbrar horizontes para além das mazelas cotidianas, superando as expectativas de manutenção da pobreza, que significativas vezes eram quase hereditárias. O esporte na comunidade negra tem função estratégica bem diferente do que nas camadas burguesas ou mais endinheiradas da sociedade. Nestas, o esporte é usado como instrumento estético, de embelezamento e proteção contra o envelhecimento natural do corpo numa repetição da Antiguidade clássica. Naquelas, o esporte foi descoberto e declarado como rota para a superação da exclusão social e racial, em que a tonalidade preta da cor da pele era indício de garra, virilidade, condicionamento físico, porém de forma guetizada e recheada de tantos estereótipos como de aberrações que entraram para a história. A bobagem de Hitler, por exemplo, que creditava loas a uma raça ariana superior, caiu por terra numa vitória vinda dos pés de Jesse Owens. O antilope de ébano, como ficou conhecido por sua grande velocidade, saiu da bacia do Mississipi, no sul dos Estados Unidos — onde foram cometidas muitas atrocidades em nome do preconceito racial contra os negros — e veio a ganhar quatro medalhas de ouro na Olimpíada de Berlim, em 1936, nos 100m rasos, nos 200m, revezamento 4X100m e salto em distância, causando a irritação de Hitler e derrotando sua propaganda nazista de superioridade da raça ariana. O desempenho dos africanos e afrodescendentes em determinados esportes que requerem força e velocidade despertou o interesse do mundo e das pessoas que estudam o fenômeno esportivo. Mas, apesar disso, durante muito tempo, o negro ficou estigmatizado nessas modalidades, estabelecidas por discursos científicos que o naturalizaram com habilidades corporais a priori. Essa imagem "natural" produzida do atleta negro alude a outro debate, o da diferença, presente também em outros importantes setores da sociedade como emprego, educação, convivência social e atuação política, ambas moldadas pelo preconceito racial amplamente apoiadas no discurso filosófico, pseudocientífico e reforçadas pelo aparato ideológico.

Com as mudanças trazidas pelas atitudes e valores do século 21, tais diferenças começam a se dissipar. No entanto, a grande visibilidade que os atletas negros e negras têm em determinados esportes é fruto não de oportunidades democráticas, até porque somente agora elas começam a funcionar de fato, mas de habilidades pessoais construídas numa enorme capacidade de superação das mais penosas dificuldades. A ocidentalizaçã o da maneira de ser e ver das pessoas, ou seja, macho, branco, católico, heterossexual se espraiou e se difundiu para grande parte das sociedades mundiais, enquanto uma concepção de alteridade foi atribuída para aqueles que fugissem a esses padrões preestabelecidos e, como consequência, remetidos a lugar diminuto no cenário social.Agora, no limiar dos preparativos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, podemos dar um salto civilizatório importantíssimo para colocar o Brasil entre os 10 mais do esporte mundial, com a inserção produtiva da massa de desempregados nas obras desses eventos, melhorar a prática estruturada da atividade física e aumentar significativamente nossa presença no esporte de alto rendimento no Brasil e no exterior. Isso, é claro, para todos e todas independentemente da cor, credo, orientação sexual, etnia, gênero, ou time de preferência.

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