terça-feira, 27 de abril de 2010

Candomblé e os Direitos dos Animais


Recentemente acompanhamos uma polêmica na rede com relação a um projeto de lei aprovado em 2004 na Assembleia Legislativa do RS que permite a utilização de animais em cultos religiosos de matriz africana.

Para além das questões que envolvem a forma equivocada com que muitos “aderiram” a “campanha” - seja por falta de informações ou de uma avaliação mais crítica-, uma questão de fundo aparece neste debate e que merece mais discussão: qual são os limites para a tolerância religiosa? Até que ponto a tolerância às manifestações de fé se chocam com uma visão de "civilização moderna"?

Certamente esse não é um debate fácil e não tenho aqui nenhuma pretensão de esgotar este tema; pelo contrário, pretendo levantar mais questionamentos e dificuldades que devem ser problematizadas para um melhor juízo e avaliação a respeito.

Inegavelmente a nossa sociedade teve importantes avanços no processo de universalização “modernizante” deflagrado a partir das idéias iluministas no século XVIII. A noção de universalidade de direitos pode ser debitada como uma herança importante, correlata às noções de “direitos humanos” e “razão”. Esta última teve como um de seus desdobramentos uma busca pela superação de “superstições” e "obscurantismos"; nisso, as manifestações religiosas de matriz não-europeia (africanas, indígenas, etc.) foram especialmente estigmatizadas, muitas vezes sofrendo perseguições.

A noção contemporânea de “tolerância religiosa” busca um melhor equilíbrio na relação tortuosa entre “razão” e “fé”. Mas, até onde a tolerância pode conciliar interesses por vezes irreconciliáveis? Por exemplo, é sabido que muitas igrejas evangélicas tem por prática um discurso de combate frontal as religiões africanas, classificando-as como "bruxaria" e coisas do gênero. Compõe o dogma destas igrejas este tipo de prática e, portanto, alguém poderia alegar que "em nome da tolerância", nada poderia se fazer para coibir essa prática discriminatória com as religiões afro.

Pelo contrário, na medida que é pregado valores que estimulam uma prática excludente e intolerante, devemos sim questionar e, inclusive, combater essas posturas. Da mesma forma que, no catolicismo, o não-uso da camisinha é um ponto central para o vaticano, como podemos tolerar uma determinação religiosa que claramente pode infligir danos fatais a muitas pessoas?

A questão da utilização de animais em cultos afro se insere nesta "zona cinzenta" em que o "mito religioso" se choca com valores "universais". Da mesma forma que o direito a manifestação religiosa deve ser respeitado, os direitos dos animais não podem ser negligenciados. No entanto, é importante registrar que muitos dos que adotam uma crítica quanto a esta prática, em geral silenciam frente a outras atrocidades cotidianamente cometidas contra os animais. Como exemplo, a forma como são criados e abatidos os animais nos frigoríficos, onde a busca desenfreada por lucros pode provocar consequências nefastas para o próprio ser humano. A gripe suína é um exemplo disso.


Esta ponderação, contudo, não resolve o problema. Como se constrói uma alternativa que concilie a manifestação religiosa com os direitos dos animais?

Uma simples proibição legal da utilização dos animais não resolveria, apenas serviria para colocar em uma condição de ilegalidade uma prática que persistiria. A melhor alternativa certamente é a mais lenta e difícil. Ela passa por um processo de mudança cultural que permita, sem perda de identidade, uma modificação e/ou adaptação nas práticas religiosas. Reforço que não acredito que isso seja "fácil", mas não tenho dúvida que somente com um processo dialogado, que incorpore os elementos particulares da religiosidade afro, poderemos convergir para uma condição mais equilibrada entre os direitos dos animais e de manifestação religiosa.
Fonte: Blog Aldeia Gaulesa

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