quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ruy Carlos Ostermann

O Carnaval à distância

Ruy Carlos Ostermann



O Carnaval também é um solene e prolongado silêncio, basta divergir dele, ausentar-se, tapar de algum modo os ouvidos e olhar apenas para frente. É o que todo mundo faz ordinariamente, sem se dar conta de que se trata de um afastamento muito especial. Em tudo, ele se parece com o que acontece a toda hora por simples mecanismo de repetição, mas as consequências nem sempre são essas.

Já vi Carnaval da porta entreaberta, da janela quase fechada, da sacada atrás dos mais velhos, do fio da calçada me equilibrando num pé, do camarote das pequenas autoridades, e fiz como pude, desajeitado e muito tímido, para me juntar a todos que pulavam no salão, uns atrás dos outros, dando-se as mãos às vezes, apoiando-se nos ombros, voltando a sentar no balcão, geralmente aliviado.

Uma vez, fui homenageado: me colocaram de roupa branca, mas tendo rejeitado o chapéu também branco, como destaque (foi menos ou foi mais do que isso, não lembro), e coerente com minhas dificuldades públicas, fui discreto, abanei para as pessoas, sorri e balbuciei saudações, fiz uma reverência de corpo inteiro para o Rei Momo, que veio me abraçar, e acho que me escondi num canto.

O Carnaval à distância, que é como me reaproximo dele, reabilita esse silêncio e promove essas quase silenciosas lembranças. Não faz mal, também espicha a vida.

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