quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Questão Racial

Segue abaixo e em ARQUIVO ANEXO texto de Yedo Ferreira



Atenciosamente

Maurilio Silva - MNU/Campinas/ SP





CONHECIMENTO - CONTRADIÇÃO NO MEIO NEGRO

Yedo Ferreira - MNU-RJ/ 11/12/09







Uma frase usada, regra geral, por pessoa que com as idéias de Marx tem grande identificação fez emergir no meio negro uma das mais sérias contradições da militância de movimento negro.



Ao ser utilizado num seminário sobre Reparação Histórica a frase de que conhecimento é uma questão de ciência, a pessoa conhece ou não conhece, portanto conhecimento não admite mistificação e muito menos presunção, uma das participantes sentiu-se altamente ofendidas afirmando ainda que com esta frase estava sendo considerada burra pelo autor (?) e segundo ela, uma ofensa que seria extensiva a todos os participantes do seminário.



Um fato aparentemente de pouca importância, mas que na realidade expressa à situação na qual a militância negra se encontra do ponto de vista de formação política, situação que não tem sido levada em conta.



O que se constata a primeira vista é que o estágio do nível político da militância negra em geral, é baixíssimo, não sendo portanto surpresa alguma que tal fato ocorra na medida em que ausência de formação política é público, uma vez que formar militante para a luta política a ser colocada em prática não é prioridade no movimento negro.



Por conseguinte, pode-se afirmar que uma frase ilustrativa interpretada por uma pessoa como ofensa a sua inteligência, se torna evidente ou explícita, melhor dizendo, que existe no meio negro de forma aguçada a contradição entre o conhecimento e o não conhecimento.



O que se deve ressaltar porém que o caso é efetivamente de contradição, não contradição de contrários, entre conhecimento e desconhecimento, desconhecimento no sentido de ignorância, por não conhecer a matéria, mas explicitamente não ter nenhum interesse em conhecê-la, ignorando-a totalmente. A contradição é o não-conhecimento como afirmação de não conhecer (no presente) a matéria o que não se pode afirmar que não se venha (no futuro) a conhecê-la. A superação desta contradição está na formação de pensamento cientifico, ou seja, na ciência.



Uma vez que para aquela militante no seminário frase com a palavra ciência é ofensa a sua inteligência necessário se faz então definir ciência como conjunto metódico de conhecimentos adquiridos através da observação e da experiência ou mediante o estudo e a pesquisa.



O desenvolvimento da definição de ciência apresenta ainda,de que o pensamento cientifico coloca em campos separados, porém não opostos por não serem antagônicos, o adulto e o jovem e no conceito de Gramisc, o intelectual orgânico e o intelectual acadêmico.



No caso adulto/jovem o não-conhecimento do jovem pode ser superado com dedicação ao estudo e entre intelectuais, o orgânico e o acadêmico, a contradição do não-conhecimento é superado pelo intelectual orgânico através do estudo e da observação, a observação intuitiva.



Como pode-se observar a vantagem do adulto sobre o jovem - e esta é a única - reside na experiência por ser a mesma adquirida com o tempo de vida o que falta ao jovem. Ainda que o jovem se dedique com afinco ao estudo, a contradição do não-conhecimento só pode ser superada em parte apenas, pelo estudo.



O que se pode afirmar também é que o conhecimento como ciência tem estágios de diferentes níveis, três para ser mais preciso e neste caso é importante saber em qual dos níveis de conhecimento a militância negra, na sua maioria, se encontra.



Na Teoria do Conhecimento - e em Marx o conhecimento é desenvolvido teoricamente - o sujeito social, aquele que participa ativamente em todos os domínios da vida pratica da sociedade - opera intelectualmente usando conceitos, ao adquirir um número maior de conhecimento e desta forma acaba por se situar num determinado nível político como seu novo estágio.



O conhecimento como ciência se realiza como processo (processo do conhecimento) e neste processo o conhecimento da pessoa passa de forma ascendente por três importantes estágios ou graus.



Neste caso tem-se que no primeiro estágio o conhecimento de uma pessoa se realiza ainda no estágio das sensações ou percepções sensíveis. Ao melhorar seu conhecimento esse se situa como segundo estágio que é o das deduções lógicas, o terceiro estágio de conhecimento é a ascensão ao estágio do conhecimento racional.

Um fato importante a se ressaltar é que entre o estágio das sensações (o sentir) e percepções sensíveis (o perceber) e o das deduções lógicas (o uso de fatos e argumentos) a diferença não é somente qualitativa é também quantitativa, ou seja, há maior quantidade e melhor qualidade de pessoas que se situam em níveis políticos dos dois estágios.



Assim ao procurar situar em qual dos níveis de conhecimento encontra-se cada militante negro, observa-se que a militância na sua maioria está ainda no primeiro estágio, o das sensações/percepções, o de sentir/perceber o preconceito e a discriminação racial como manifestações concretas do racismo, isto é, se se admitir o racismo como ideologia racial e as duas como o racismo se manifesta na sociedade concreta, além das deformações ideológicas que produz como o paternalismo do branco.



Neste sentido observa-se que o militante negro, no processo de sua atividade prática, ao começo, não olha senão o aspecto exterior da ideologia racial (racismo), o aspecto isolado. Por conseguinte a percepção sensível (o sentir/perceber) do militante negro, é o sentir e perceber as manifestações e as deformações da ideologia racial. Assim o que o militante sente e percebe nada mais é do que a fisionomia exterior do racismo, que aparenta ser isoladas, mas que, externamente estão ligadas entre si.





Então o que se pode afirmar é que o militante negro encontrasse ainda no primeiro estágio do conhecimento que é o estágio da percepção sensível que também é o das representações, essas sendo idéias de como é a sua realidade como negro. Esta é uma das razões do militante negro não fazer do combate ao racismo, luta política, luta por poder de decisão na medida em que estando neste estágio de sensações/percepções não tem reflexão - esse é outro estágio - do desenvolvimento dialético da ideologia racial, portanto desconhece o seu elemento revolucionário, ou seja, a antítese que o racismo produz.



No estágio de sensações/percepções sensíveis as atividades praticas que implementa, são apenas respostas ao preconceito e discriminação que sofre na sociedade. Portanto as suas atividades práticas são respostas a fatos conjunturais como denúncias de discriminações e lamento dos preconceitos, além de se organizar pela ideologia dominante ou seja, se organizar apenas para reagir as ações do racismo.



Por conseguinte a militância negra neste estagio das sensações - ainda no estágio de ser conduzida pelo seu emocional - não reúne capacidade suficiente para formular conceitos profundos e muito menos proceder a deduções lógicas. Esta capacidade a rigor é o segundo estágio chamado também de estágio das conclusões lógicas.



O militante negro saber formular conceitos permite fazer juízos e relacionar metodicamente e com toda atenção fatos e argumentos na sua oração verbal e na produção intelectual, ou seja, permite ao militante julgar (o que é certo e o que é errado), mantendo relações entre julgamento, fatos e argumentos.



Desta maneira é que se pode afirmar, se o militante negro passar para o segundo estágio do conhecimento, vai operar intelectualmente formulando conceitos e aplicar os métodos de juízo e de deduções, resultando com certeza em conclusões lógicas.



No processo do conhecimento além do estágio de fazer juízo e proceder a deduções lógicas, também chamado de estágio dos conceitos, há um terceiro estágio, ainda mais importante, o estágio do conhecimento racional.



O conhecimento racional como o último estágio do conhecimento como processo, é ter capacidade para tornar compreensíveis as leis de ligação interna dos diferentes processos; os sociais, os políticos, os étnicos, os nacionais, os econômicos e os históricos. Esse último,como processo histórico da humanidade, é o desenvolvimento das diferentes formações sociais e econômicas na passagem de uma para a outra.



Uma melhor compreensão dos estágios do conhecimento como processo no militante negro - no sujeito social em geral também - é não esquecer que a tarefa do conhecimento consiste no militante em elevar-se, gradativamente, através da observação e do estudo, do seu estágio inicial, o estágio das sensações (o sentir), ao segundo estágio, o estágio dos juízos e das deduções lógicas (o pensar), que consiste na elucidação progressiva das contradições que são geradas pelas ações concretas da ideologia racial e que existem objetivamente. O terceiro e último estágio é o do conhecimento lógico, o conhecimento racional que corresponde à elucidação das leis de ligação interna dos diferentes processos.



Assim é o conhecimento como ciência e também como processo e antítese do não-conhecimento e somente aquela que ignora o conhecimento como ciência considera frase relacionada ao conhecimento uma ofensa a sua inteligência.



O fato de se ignorar o conhecimento reflexivo como pensamento cientifico não é de estranhar em vista que o Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil, com três anos de existência, os militantes que dele participam não conseguem formular o conceito de Reparação Histórica, um dos “eixos” do congresso. Há ainda outros que confundem projeto político com programa de ação por não conhecer o conceito de um nem de outro.



Na verdade no Conneb, há aqueles que dizem que projeto político - no caso em pauta o do povo negro - é para dialogar (?) com a sociedade e com o Governo, além de não fazerem distinção alguma entre congresso e encontro e se congresso é de pessoas ou de instituição, caracterizando desta forma ausência total de conhecimento.



O fato é que a militância que participa do CONNEB não percebeu ainda nos três anos que se passaram que, se o tema do Congresso é um tema político - e projeto político é tema político - o Congresso, em principio, é um congresso político e os seus participantes são forças políticas, ainda que desta condição não tenham nenhuma percepção.



Por outro lado, a militância que sempre se colocou fora do CONNEB, das ONGs negras, os pesquisadores e acadêmicos na sua associação e outros mais, esses nunca perceberam o CONNEB com tema político, como ator fundamental e principal espaço de debates políticos do processo de luta de libertação do povo negro no Brasil. Em razão desta falta de percepção nesses três anos de realização do CONNEB, se mantiveram voltados para si mesmo, por acreditar em luta política individual, a que acreditam realizar.



Em vista de que estão as margens do CONNEB não percebem que política não é atividade individual, sobretudo luta política e que a mesma se realiza de maneira concreta dentro de processo político e não fora dele, demonstram de forma plena que desconhecem - no sentido de ignorar ou não ter interesse algum - a função da ciência do conhecimento como processo, na luta política.



Assim, neste oceano do desconhecer e neste cipoal de contradições, não há como não reconhecer mais uma vez, que a militância negra em geral no Brasil ainda se encontra no primeiro estágio do conhecimento, com agravante de que no estágio das percepções sensíveis (no sentir e perceber) não consegue perceber e muito menos parar de sentir as ações da ideologia do racismo. Em decorrência não há como deixar de se organizar em relação ao racismo ou para reagir apenas as suas ações.



No meio negro, pode-se concluir que o não-conhecimento e muito próximo ao desconhecimento e a militante que se sentiu ofendida com a frase do conhecimento é a expressão de tudo isto.

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