quarta-feira, 29 de julho de 2009

Crise na Imprensa

A NATUREZA DA CRISE E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS PARA O BRASIL por João Pedro Stédile

- PARTE II - FINAL



3 . Como a direita trata o tema da crise na imprensa:



Qual é o discurso da direita brasileira hoje nos meios de comunicação? Primeiro, de que a crise é de todos. Segundo, que não se sabe por que, de repente, caiu de pára-quedas. A crise não tem culpado. Ela apareceu no jornal nacional: “Estamos em crise”. Poderia ter sido anunciada pela menina do meteriológico lá: “pessoal, vai ter chuva no nordeste, seca no sul e para todos, crise!” Uma obra assim...

Bem se a crise é todos e não tem culpados, o governo tem que fazer alguma coisa, né, pra eles. Pra salvar as empresas brasileiras. Então, tudo se justifica. Alguém fez alguma crítica aos 4 bilhões que o Banco do Brasil pegou do nosso dinheiro pra salvar o banco Votorantim? Quatro bilhões num cheque só do presidente do Banco do Brasil! Pra salvar o banco Votorantim. Coitado do Antonio Ermírio né! O sujeito é trabalhador, ele levanta mais cedo, e as 5 horas já está trabalhando.

Quarta falácia da imprensa burguesa sobre a crise. “Pessoal, é grave, mais vai passar rápido”. Parece aquelas vacinas em criança: “dói, mas vai passar rápido, viu!”. É isso que eles ficam dizendo pra população. No entanto, se alguém resolver criticar, ou se levantar, que a burguesia está exigindo? Criminalização! O MST está apanhando por antecipação. Nós estamos sendo reprimidos toda semana. Ontem mesmo, tô aqui puto da cara, porque despejaram uma área em Minas Gerais , com cento e poucas famílias, que estavam há doze anos, já com casa de material, chiqueiro, aí vem a polícia militar com a tropa de choque, com aqueles tratores... destruíram tudo! Porque um juizinho de primeira instância deu uma liminar, sendo que o proprietário da terra deve ao Banco do Brasil 70 milhões! Mas ninguém analisa. Mas por que tanta repressão? Nós estamos analisando que estamos apanhando por antecipação. Ou seja, “vamos bater nos que reclamam pros outros ficarem quietos”. Então, faz parte dessa ideologia dos meios de comunicação. Todo dia falam mal do MST. Mas não vai ser só do MST. Deixa os petroleiros continuarem a fazer mais uma grevinha que eles pegam os petroleiros também. Se alguém lutar, eles reagem, repressão!.



4.Perspectivas para a classe trabalhadora brasileira



Bem, agora, nos últimos 10 minutinhos, as perspectivas para a classe trabalhadora.

Primeiro, vocês já sabe, nós estamos ferrados. Grande novidade!

Então, o primeiro aspecto que eu queria comentar, é que o contexto histórico da luta de classes no Brasil é adverso para a classe trabalhadora. Ou seja, a crise, embora gere contradições que depois nós vamos ver, mas ela veio num momento muito ruim, porque justamente desde a derrota política que nós tivemos de 1989 até agora, na nossa opinião nós vivemos num descenso do movimento de massas. Uma derrota política da classe trabalhadora. Qual foi a última greve geral que nós fizemos? Qual foi a grande última manifestação? Até pros comícios políticos! Se os políticos não levarem Chitãozinho e Chororó, “Frique-frique e Frique-Fró” e as saias cada vez mais levantadas, o povo não vai nem pra 1º. De maio. Isso reflete o descenso do movimento de massas, a situação adversa que a classe trabalhadora está vivendo. Então nós estamos vivendo um momento muito difícil pelo descenso do movimento de massas, pela derrota ideológica que nós sofremos. A vitória hegemônica do neoliberalismo que agora nós estamos vendo. Sei que muitos aqui são estudantes universitários: o que a universidade está produzindo nos últimos 10 anos? Um monte de cabeça vazia que dá dó. Agora que nós estamos percebendo o desastre que foi o neoliberalismo dentro da Universidade. No período anterior, a PUC foi um dos pólos da resistência contra a ditadura, e agora é pólo de resistência a quê? Não vou botar a culpa nos estudantes. Dizer que o mundo acadêmico, o mundo estudantil é reflexo dessa correlação de forças adversa que a classe trabalhadora tá vivendo. E reflexo da derrota ideológica que a classe trabalhadora sofreu com o neoliberalismo que afetou todos os setores. Quem fala em socialismo hoje? Deus me livre! Já tem que acrescentar outros adjetivos: democrático, plural, num sei o quê... Socialismo é socialismo! Socialização da propriedade dos meios de produção, ponto! Democracia é o que se refere ao regime político, como é que você vai organizar o poder político da sociedade. Socialismo como modo de produção, não tem subterfúgio! Mas é difícil, viu!

Então, desse contexto que vem desses últimos anos, é infelizmente o baixo nível político e cultural de nosso povo. Claro que o povo é a única força capaz de fazer mudança. E precisamente, por ser o único que pode mudar, olhando pra ele, você percebe. Porque é um povo que tá sendo muito ludibriado pela televisão, pelos políticos, e por tudo quanto é porcaria. Quer dizer, falta uma tradição ideológica e cultural. Olha os níveis de leitura! Não é brincadeira, nossa sociedade ainda é herdeira de 400 anos de escravidão. Não é brincadeira que Buenos Aires tenha mais livraria que todo o Brasil junto. É isso que é o reflexo. Não é brincadeira que a Folha de São Paulo, desde 89 venha diminuindo o número de seus leitores! (isso é uma notícia boa)! É uma pena que seja só na classe média, mas é reflexo. Aqui não tem tradição de leitura. Nós somos uma classe trabalhadora empobrecida culturalmente, politicamente. E isso afeta a reação.

Bem, sigo. Diante desse cenário tão complexo, as forças que procuram se organizar e lutar contra a crise, hoje, no meu modo de entender, se aglutinam em torno de 3 alternativas, que, ao longo do seminário, devem ter estado presente aqui.

a) A primeira alternativa, é um grupo de forças populares que dizem, bom: “frente à crise, socialismo já!”. “Não há mais saída para o capitalismo, ‘bá-bá-bá’, socialismo!”. É fácil de identificar, não é nenhuma avaliação, só estou procurando compartilhar. Mas, os setores populares mais identificados com o PSTU, e com algumas correntes do PSOL, a Causa Operária, algumas correntes trotskistas defendem essa alternativa: socialismo já!

b) Num segundo grupo, defendem propostas que nós podemos classificar como neo-keynesianas. Baixa a taxa de juros, aumenta as políticas públicas para os pobres, aumenta os programas de compensação social, uma espécie de New Deal do Roosevelt rebaixado. Vou usar um professor, o Chico de Oliveira, como meu advogado. Ele diz: “vocês são maldosos, o Stedile, dizer que esse grupo defende o neo-keynesiano, isso é uma ofensa ao Keynes, o Keynes era mais radical !”. E fecho parênteses, mas evidentemente há forças populares, há correntes sindicais, movimentos sociais que defendem plataformas inseridas nesse contexto.

c) E há um terceiro grupo, na qual nós da Via Campesina nos inserimos, que defendemos uma espécie de Projeto Popular. Ou seja, não temos a ilusão de que o socialismo virá na esquina. Não temos força nem pra tirar o Meirelles, que todo mundo sabe que ele representa os interesses dos bancos. Foi presidente mundial do Banco de Boston! Está lá no seu currículum, não precisa ninguém falar mal. Pô, não temos força pra trocar o Meirelles! Imaginar que temos correlação de forças pra fazer mudanças socialistas?? E também o neo-keynesianismo não é uma alternativa popular. Ele pode até recompor a taxa de lucro, ele pode amenizar o sofrimento da classe trabalhadora, evidentemente. Mas ele não é uma alternativa pra nós aproveitarmos as contradições da crise e, pelo menos, entrar pra próxima etapa com um acúmulo de forças maior.



5. Elementos de um Projeto Popular para sair da crise



Quais seriam os parâmetros, os indicativos do que seria um Projeto Popular, que nós estamos, inclusive, tentando convencer outras forças a aderirem ao que poderia ser uma plataforma mais unitária. E, por isso também, colocamos nessa plataforma alguns elementos mais keynesianos, mas na essência seria uma tentativa de resistência ao capitalismo para acumular força para uma próxima etapa. De maneira muito rápida, quais seriam os pontos de uma plataforma do Projeto Popular pra enfrentar a crise:

a) Garantia de emprego pra todos. Então não se trata só do Estado fazer políticas de compensação social, o Estado tem que pegar o dinheiro e tentar investir em áreas da produção que gerem empregos pra todo mundo. E estabelecer uma espécie de moratória. Todo brasileiro que quiser trabalhar, o Estado garante emprego pra todos. Aonde? Se cria, na construção civil, no serviço público, em mil e uma formas.

b) Redução da jornada sem redução do salário. E, colado a esse, valorização do salário mínimo, que, ta comprovado por um monte de análises, é o principal mecanismo de distribuição de renda no Brasil. O salário mínimo, porque pega justamente os mais pobres. Não só os que ganham de empresa o salário mínimo, mas, sobretudo lembrem-se, que entre os mais pobres dos brasileiros, estão os 14 milhões que recebem o benefício do INSS, e o grau de referência do benefício do INSS é o salário mínimo. Então, automaticamente, você aumenta o salário mínimo, você faz uma transferência daquele dinheiro público, e dos trabalhadores pra essa camada mais pobre que ta lá dependente dos benefícios da Previdência.

c) É estabelecer um pacto de resistência: não aceitar nenhum direito social a menos.

d) Zerar o superávit primário. Esse é o principal mecanismo econômico de espoliar a sociedade brasileira. Como eu disse antes, superávit primário hoje representa que o governo transfere todos os anos, 200 bilhões de nosso dinheiro, da Receita Federal pros bancos. Tem que acabar com isso. E com esses 200 bilhões, nós conseguiríamos então aplicar nessas políticas por parte do Estado, que poderiam gerar emprego pra todos e ter outra política de distribuição de renda. Chamo a atenção de vocês: os países da América Latina são os únicos países que aplicam o superávit primário. Com exceção, inclusive, de Cuba e Venezuela. São os únicos. Na Ásia ninguém tem superávit primário. Na Europa e Estados Unidos é déficit cada vez maior. Então, por que só o Brasil vai seguir nessa política de superávit primário? Pra ser justo, nos últimos meses com a crise, o superávit primário vem diminuindo, mas não por vontade do governo, por política. É que como baixou a taxa SELIC, automaticamente baixa a transferência pros bancos.

e) Evidentemente, puxando a brasa pra nossa sardinha, é aplicar esses recursos num amplo programa de reforma agrária, também pra garantir emprego, trabalho e condições pra população que tá no meio rural, pra eles não virem pra cidade.

f) Reduzir as taxas de juros ao padrões internacionais. Poderia estar inserido nesse contexto de políticas neo-keynesianas, mas é muito importante. Não só a taxa SELIC, que hoje eles estão fantasiando: a taxa SELIC está em 11, tem 6 de inflação, então a taxa real é 5. Tudo bem, do governo pros bancos, mas os bancos continuam cobrando dos consumidores da indústria e do comércio taxas médias de 48%. Então a sociedade inteira está transferindo aos bancos praticamente todo o seu esforço de acumulação. Então, reduzir a taxa de juros não é só a taxa SELIC, tem que ter uma intervenção do Estado pra impedir que os bancos continuem cobrando esse verdadeiro assalto que os bancos estão fazendo pra sociedade em geral, pro comércio (quando tu for comprar uma geladeira, um carro...) e pra indústria, etc.

g) Estatizar o sistema financeiro. Porque, nessa etapa do capital financeiro, o pólo central de acumulação, ou seja, aonde fica a riqueza apropriada pelos capitalistas, não é mais na indústria e no comércio: é nos bancos, é no capital financeiro. Portanto, se o Estado, em nome da sociedade, não controlar isso, não tem como tu sair. Não tem como tu sair da crise em benefício da sociedade. E por isso o Sarkozy defende, e imagino que ele esteja mais ligado aos setores da indústria francesa. Mas é evidente, que mesmo numa lógica capitalista, se não houver uma intervenção estatal, ou seja, uma força maior que controle o sistema financeiro dos países, não tem volta.

h) Um amplo programa de defesa do meio ambiente e da vida das pessoas. O que é isso? Isso é genérico, pode ser apenas doutrinário... Não! Nós temos que impedir a mudança no Código Florestal, porque é isso que vai fazer com que os ruralistas acabem com o que ainda tem de recursos naturais. Vocês sabem que eles querem baixar a reserva legal: de 80 e 50 pra 20. Está lá no Congresso, já passou pela Câmara, está no Senado agora, ou seja, um negócio concreto, pra amanhã. Impedir as mudanças de regularização fundiária na Amazônia, eles querem privatizar a Amazônia até 1.500 hectares , por pessoa e não precisa mais comprovar posse. Tô aqui em São Paulo e posso pedir pra algum preposto registrar 1.500 hectares em meu nome. E depois eu me lembrei: “Ah, tem minha filha também, mais 1.500 pra minha filha”, “Ah, pra Olívia, que é boa menina, mais 1.500” . Isso é mais atrasado que a Lei 601 de 1850. Não precisa nem comprovar posse. Nem comprovar residência. Bom, isso é a volúpia do capital total, nós temos que impedir isso, pra garantir o mínimo de reserva dos recursos naturais pro povo brasileiro. Nós temos que controlar a qualidade dos alimentos. O agronegócio está produzindo veneno, não comida. E todos os cientistas que tão cuidando da área estão nos alertando, está proliferando os câncer, 80% deles são originários dos venenos que a população está comendo. E esse veneno vai pra onde? É veneno químico, originário do petróleo que é usado sobretudo. Destrói as bactérias do solo, ou vai pra água, ou vai pro seu estômago. Então continue comprando da Bünge, da Cargill, e feliz enterro! Que certamente vai morrer 10 anos antes daqueles que se alimentam com alimentos saudáveis.

Então, o Estado tem que botar um jeito nisso, francamente, isso aqui já virou casa da mãe Joana, né. A Anvisa, (saiu na manchete da Folha e num caderno do Brasil de Fato). A Anvisa fez as pesquisas aqui na Ceagesp, e disse: “tem 20 produtos que não se recomendam para os seres humanos”. Manchete! E continuam vendendo! Como? Se a conclusão fosse: “esses 20 produtos não servem para a alimentação animal”, é capaz que eles teriam tirado do mercado. Porque pode dar febre suína, pode dar não sei o quê. Então continue comendo maça, moranguinho, tomate, tudo isso só veneno! Por isso que num tem mais nem gosto. Batata, só veneno! Soja, só veneno! Para um Programa Popular pra enfrentar a crise é preciso fazermos essas mudanças reais pra preservar a vida das pessoas e pra preservar a natureza, porque se não esses loucos do capitalismo... Não pensem que eles têm alguma responsabilidade.

i) Recuperação da soberania brasileira sobre as empresas estratégicas de energia, minério. Não sei se vocês sabem, a Eletrobrás que pinta aí como estatal, já tem suas ações vendidas na Bolsa de NY. Esse é o maior problema que nós temos com lá Itaipu se acertar com os paraguaios. Porque a Eletrobrás é gestora de Itaipu, e ela não é só uma empresa pública, tem interesses das privadas que alegam os direitos. Bem, o caso da Petrobrás, patético né, vocês sabem: 58% das ações são privadas. E o caso da Vale, que é uma luta histórica.

j) E, por último, na nossa plataforma, nós precisamos fazer um movimento aqui no Brasil, pra pressionar o nosso governo para ter uma outra postura em relação aos organismos internacionais.

Em vez de valorizar FMI, Banco Mundial, G-20, isso aí tem que fechar. Evidentemente que nós temos que criar um outro marco internacional, uma outra governança internacional. E vemos com bons olhos essa iniciativa que os países da Alba estão fazendo, já criaram uma moeda alternativa que é o Sucre. Que é uma sigla, embora homônimo do General Sucre, que foi um lutador anticolonialista. Mas na verdade ela é uma sigla né, o Sistema Unitário de Câmbio, não sei o quê... E nós temos defendido isso nos movimentos sociais, os governos tem que caminhar rapidamente para fugir da área do dólar, porque o dólar é o principal mecanismo de espoliação dos outros países. Desde 1971 quando o Nixon tirou a paridade com o tesouro e com o ouro. Então, todas as guerras deles eles botam a maquininha pra funcionar. E distribui os dólares para o mundo. Então, se é pra ter uma saída razoável diante dessa crise, é aproveitar a crise pra nós construir uma moeda que seja internacional e sem o controle dos EUA. Segundo o professor Chico de Oliveira, isso ainda não aconteceu na história da humanidade, todas as moedas internacionais foram sempre fruto de vitórias militares. Bom, mas ele pode estar errado também e nós conseguirmos implantar, pela primeira vez na história, uma moeda que não seja só fruto de vitória militar.



6. O que fazer com a plataforma popular?



A proposta dos 10 pontos que eu mencionei aqui como sendo o Projeto Popular, não é uma proposta do MST, é uma proposta que nós estamos construindo nessas plenárias onde a última delas lá em março tinha 88 movimentos. Isso expressa um conjunto dessas forças. Claro que um gostaria de dar mais ênfase num ou outro ponto, mas esses 10 pontos procuram recolher o que poderia ser uma plataforma unitária, porque todos de certa forma se sentem representados aqui. Eu acho também que seria exagero pensar que essa plataforma seria a proposta de socialismo XXI. Não é uma plataforma socialista, evidentemente. Mas nós achamos que, com essa plataforma, nós podemos acumular forças. E de novo, alguém perguntou no intervalo, veio-me dizer: “Evidentemente, essa plataforma é inviável por ir lá e apresentar”, né, ela não cai do céu assim, então “ah, vamos sair da crise, basta aplicar essa plataforma”. Então, qual é o sentido dessa plataforma? O sentido dessa plataforma é debater com a sociedade, ou seja, é conscientizar. É fazer um verdadeiro mutirão entre as pessoas e organizações, de dizer: “a crise é grave, se nós não segurar, os capitalistas vão tomar as saídas clássicas deles, que já relatei, mas nós da classe trabalhadora podemos ter outras saídas”. Agora, essas saídas só são viáveis se nós fizermos luta política. Que significa fazer luta política? Significa fazer mobilização de massas, grandes manifestações, grandes lutas de massas que possam, então, acumular força social. Isso que é luta política, é ter força. Quando você não tem força acumulada de gente organizada, não é política, é apenas doutrina. “Eu acredito nisso...” Então, evidentemente que os companheiros que comentaram isso têm toda razão. Isso aqui é apenas uma plataforma de fazer trabalho de conscientização. Agora, sua viabilidade não é se o argumento está bem escrito, sua viabilidade só vai ser dada se houver um processo de mobilização e organização de massas. Bom, é impossível no Brasil? Na atual situação, agora, final de maio de 2009, claro que nós estamos no descenso, mas as massas aprendem muito rápido. E nós podemos chegar a uma situação de que em curto prazo haja um reascenso do movimento de massas. Ninguém pode dizer que vai continuar 5 anos em descenso e que vai ter mais 5 meses. Isso faz parte da psicologia social, da capacidade que nós tivermos de indignar nosso povo.

O lado bom dessa conjuntura é que a burguesia brasileira não tem projeto para o país. Ao contrário da crise de 29, vocês devem ter comentado nas outras sessões. Na crise de 29, a burguesia brasileira se unificou em torno do Getúlio Vargas, e ele teve que construir uma unidade a “manu-militar”: deu um pau nos paulistas, deu um pau nos comunistas, e deu um pau nos fascistas. Aí unificou a burguesia, inclusive subjugou a força parcelas da burguesia industrial paulista ignorante, centralizou eles e a partir de 37 implementou o modelo que durou até 1980. A rigor, esse é o modelo do Getúlio Vargas. Bem, é um projeto da burguesia brasileira, de desenvolvimento do capitalismo nacional subordinado, dependente.

Agora, a vantagem. Que diante da nova crise, que esperamos que seja prolongada mesmo, qual é o projeto da burguesia brasileira? Não tem! E isso é bom pra nós, nos livramos deles, pelo menos. E isso abre espaço pra que a classe trabalhadora construa um projeto, uma plataforma que seja nosso, pra enfrentar a crise. Para a burguesia brasileira, o único projeto dela é ter ainda maior dependência do capital internacional. Não só de dependência, ou seja, de aprofundar nossa subordinação. Exemplo: na nova re-divisão internacional do trabalho e do capital, no projeto do capital, ao Brasil cabe apenas o papel de ser exportador de matéria prima. Eu fico horrorizado com essas viagens aí pra China, em que o governo e empresários se orgulham de vender mais soja, mais minério e agora petróleo cru. Como se fosse uma vantagem, mas isso é um desastre! É o Brasil voltar à colônia, e é isso que os capitalistas internacionais querem. Que o Brasil cumpra apenas o papel de exportador de matéria prima. Esse seria o nosso papel. E a burguesia brasileira aceita. “Tá bom, desde que você dê um pedaço do teu lucro, então tô satisfeito” Mas isso não é projeto de desenvolvimento nacional! Porque nenhum país do mundo se desenvolveu exportando matéria prima.

Quero compartilhar, como ilustração, uma informação que circulou essa semana de um estudioso ligado à Via Campesina sobre a economia dos Estados Unidos e freqüente aqui no Brasil, o agronegócio usar como argumento de justificação que os EUA é o maior exportador mundial. “Tá vendo, os EUA é a maior potência e maior exportador de matéria prima, esse é o nosso caminho!” Santa ignorância, estatisticamente está comprovado: o agronegócio deles, dos EUA, de todo PIB agrícola, 88% é pro mercado interno, eles exportam apenas 12% do que produzem na agricultura. Ou seja, o centro da riqueza produzida na agricultura nos EUA é pro mercado interno, pro povo americano comer mais, eles só exportam 12%. E aqui, no Brasil, é o contrário, só querem exportar, exportar, exportar... como se fosse a solução. E mais do que isso. Há setores da burguesia brasileira que além de aceitar esse papel subalterno, ainda mais aprofundado com a crise, aceitam a reconversão das empresas brasileiras como subimperialistas. Então, vão lá ler de novo a teoria da dependência do Ruy Mauro Marini, ele foi um profeta nisso. Agora está cada vez mais claro, que também nesse marco de aprofundar nossa subordinação, eles vão entregar às empresas brasileiras o papel de subexplorar os mercados e as riquezas dos outros países da América Latina. Esse é o papel que a Eletrobrás está fazendo com Itaipu, papel que a Petrobrás está fazendo na Bolívia, no Equador, que a Odebrecht, a Andrade Gutiérrez fazem com outros países.

O tema do pré-sal. Claro, me passei aqui correndo, porque de certa forma ele está subentendido. Primeiro naquela política dos EUA de se apoderar dos recursos naturais. Então, o pré-sal é nossa principal riqueza agora que ta lá debaixo do oceano. E é por isso a CPI da Petrobrás. É por isso todos esses movimentos que o PMDB está fazendo. Porque eles estão se mexendo? É pra se apoderarem do pré-sal. E é o que as empresas já estão fazendo. Vocês sabem que nós temos já várias empresas transnacionais, como a Shell, até uma portuguesa, e outras empresas que já ganharam os leilões da parte de cima. É só eles furarem mais 7 mil metros que eles chegam no pré-sal. E algumas delas já estão furando. Então as multinacionais já têm até o direito, se nós não alterarmos a legislação, eles vão acessar o pré-sal. E o que os geólogos estão dizendo pra nós é de que no caso do pré-sal é ainda mais grave porque tudo leva a crer que ele é uma imensa lagoa lá embaixo, que vai do Espírito Santo até Santa Catarina. Então quem acessar a lagoa, vai ter acesso a todo petróleo.

Bem, evidentemente que nós temos que incluir em nossa luta a defesa do petróleo como parte dessa luta pra sair da crise, porque justamente os capitalistas internacionais, e seus aliados aqui no Brasil, eles vão fazer de tudo para que eles tenham o direito de se apropriar dessa, que está sendo classificada, como a principal reserva de riqueza natural do planeta. Então você imagina com que ganância eles vão vir pra cá disputar conosco. Vai ser uma verdadeira guerra. Não pensa que vai ser com abaixo-assinado que nós vamos salvar o pré-sal, claro que não. Nós vamos fazer o abaixo-assinado pra provocar o debate. Mas nós só vamos salvar o pré-sal de novo se vier o reacenso de massas, se nós fizermos grandes mobilizações, porque o inimigo vai ser daquele tamanhão.

Então, me desculpem por passar do tempo, essas são as idéias gerais que nós estamos debatendo sobre a crise nos movimentos sociais.

Muito obrigado pela atenção.



[1] Palestra no Curso de Especialização sobre a Crise. Promovido pelo curso jornalismo da PUC-SP/CEPIS/ENFF. João Pedro Stedile –


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