quinta-feira, 5 de março de 2009

tragédia se repete


05 de março de 2009 | N° 15898AlertaVoltar para a edição de hojeMORTES NA MADRUGADA
A trágica rotina na busca por saúde
Micro-ônibus que levava pacientes de Sobradinho para Porto Alegre bateu em caminhões, matando oito pessoas
Pela segunda vez em cinco meses, um grupo de gaúchos que cruzava o Estado em busca de atendimento médico teve a viagem interrompida por uma tragédia no trânsito.

O desastre ocorrido às 4h40min de ontem na rodovia Santa Cruz do Sul-Tabaí (RSC-287), em Venâncio Aires, resultou em oito mortos quando o micro-ônibus em que viajavam bateu em dois caminhões – reproduzindo as circunstâncias e o exato número de vítimas de outro acidente, que abalou o Estado na madrugada de 25 de setembro.


Em vídeo, o depoimento de parentes das vítimas e dos sobreviventes do acidente

Nas duas ocasiões, as ambulâncias improvisadas levavam amigos, vizinhos e conhecidos de uma mesma cidade em busca de atendimento. Em setembro, também de madrugada, o veículo saído de Santa Vitória do Palmar bateu contra um caminhão e deixou oito mortos e 16 feridos. Ontem, o dia ainda não havia clareado quando o auxiliar de serviços gerais e passageiro no micro Valdecir Stein, 32 anos, foi despertado de um sonho por um estrondo repentino e uma chuva de cacos de vidro sobre o corpo. Uma criança chorava.


Gráfico 3D mostra reconstituição de como teria sido a tragédia

– Eu não estava entendendo nada. Saía fumaça para todo lado e todos começaram a gritar – contou o sobrevivente.

Os 14 passageiros do veículo seguiam de Sobradinho, no Vale do Rio Pardo, em direção a Porto Alegre, conduzidos pelo motorista Tarcilo José Homrich, 50 anos, onde fariam consultas, exames e cirurgias em hospitais e clínicas. Homrich, um dos mortos, era motorista da prefeitura. Fora vereador em Sobradinho e chegou a chefiar o município por 15 dias. Era conhecido na cidade como “Chato”, por ser meticuloso e regrado, e considerado por colegas um bom motorista.

Quando o micro-ônibus parou, Stein percebeu que quase todo o lado esquerdo do veículo estava destruído – não havia mais janelas, e muitas pessoas estavam desacordadas e espremidas entre o que restava das poltronas e ferros retorcidos. Assustado, o morador de Sobradinho que planejava fazer uma cirurgia nas mãos no Hospital da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) decidiu pular para fora, mesmo sentindo uma dor lancinante na perna esquerda.

No acostamento da RSC-287, na altura do km 80, Stein se deu conta da gravidade do acidente. Levou as mãos à cabeça e pensou em pedir ajuda. Não teve tempo. Em minutos, um caminhão boiadeiro, do tipo Scania, apareceu no horizonte, em meio à neblina.

– Eu fiz sinal para o motorista. Levantei as mãos, pulei, fiz de tudo para que ele visse a gente e tivesse tempo de desviar – relatou Stein.

Enquanto isso, o condutor do Mercedes-Benz L1620, Darlan Damir Rigo, 28 anos, que acabara de bater no micro e tombar em um matagal às margens da rodovia abria a porta do caminhão e olhava para trás, atônito:

– Eu estava atordoado. Não sabia bem o que tinha acontecido. Lembro que estava andando devagar, a 60km/h, quando vi o micro-ônibus em cima de mim. Não consegui evitar a batida.

Como Rigo, o motorista do boiadeiro que agora se aproximava do micro-ônibus, Carlos Augusto Saraiva, 45 anos, também foi surpreendido. Ao ver o veículo de Sobradinho estancado na rodovia, puxou o volante para a esquerda, rumo à pista contrária. Foi surpreendido mais uma vez.

– Não dava para acreditar. Um caminhão-baú vinha na minha direção. Só consegui pensar que daria para passar entre ele e o micro-ônibus e fui em frente – relembrou Saraiva.

Não deu. O boiadeiro acabou batendo, de leve, na lateral esquerda do Ford Cargo conduzido por Aldair Tozin, 39 anos. Com isso, foi rebatido para cima do micro-ônibus. Quando tudo acabou, o cenário lembrava uma guerra. Sob o Scania, uma criança agonizava. Era o pequeno Maiquilian Rodrigues, três anos, que sofria de problemas nos rins e nos testículos, e faria um exame renal no Hospital Santo Antônio às 13h30min.

Na noite anterior, ele havia exibido orgulhoso para o pai a roupa nova que havia ganhado da mãe, Laurilei Aparecida Pereira, 36 anos, para a viagem. Laurilei, dona de casa, acompanhava o filho com esperança de encontrar a cura na Capital. Os vizinhos a consideravam uma mulher otimista e confiante no futuro. Mais tarde, o pai e marido, o servente de obras Valdir Rodrigues, 40 anos, teria a difícil tarefa de reconhecer os corpos na Capela Mortuária Paul Harris, em Venâncio Aires. Saiu de lá chorando. Encostou-se em um pilar, começou a esmurrar o concreto e a se lamentar:

– Meu Deus... como é que vou entrar em casa sabendo que a minha família não está lá? O meu menino nem teve chance de saber o que é a vida.

Não foi o único caso em que mãe e um filho perderam a vida no acidente. Laura Hermes, 67 anos, tinha uma consulta às 7h no Hospital da PUC para buscar o resultado da biópsia de um tumor no seio. Era acompanhada pela filha Eliane Hermes, 47 anos, secretária de Educação de Sobradinho entre 2001 e 2004. Eliane era solteira e não tinha filhos. Ambas morreram.

As tragédias familiares resultantes do acidente ainda deixaram dois órfãos. Alan Ecke, 21 anos, e André, 22, perderam pai e mãe: a operária de uma fábrica de calçados Vera Lucia de Almeida Ecke, 43 anos, que seguia viagem em busca de uma consulta com um traumatologista em uma clínica na Rua dos Andradas, e o caminhoneiro Ari Ecke, 50 anos, que a acompanhava. Segundo Alan, o pai chegou a cogitar com Vera a possibilidade de adiarem a viagem.

Completa a lista de vítimas Antonio Foesch, 55 anos, que tinha consulta de uma especialidade não-informada na Santa Casa. Era agricultor, viúvo e deixou duas filhas órfãs devido a mais um acidente a atingir as rotas da ambulancioterapia no Estado.

– Eu fui o primeiro a chegar. Vi as pessoas implorando por socorro. Havia destroços para todo lado. Foi o acidente mais grave que já vi – desabafou o soldado Sandro Medeiros Gonçalves, 34 anos, do posto rodoviário da Brigada Militar de Santa Cruz do Sul.

A identificação das vítimas terminou no final da manhã, e no começo da tarde os corpos foram levados para necropsia no Instituto Médico Legal de Santa Cruz do Sul. Às 15h30min, foram levados para os velórios em Sobradinho, na última etapa da fúnebre viagem de volta para casa.




Os feridos
> Abelardo Rodrigues de Freitas, 66 anos – Teve arranhões. Atendido e liberado
> Luiz Carlos Feck, 39 anos – Internado em estado regular no Hospital Santa Cruz, em Santa Cruz do Sul
> Doraci de Brito Rodrigues, 45 anos – Com fraturas no tórax, foi internada em estado regular na UTI do Hospital Bruno Born, em Lajeado
> Geneci de Matos, 46 anos – Internada em estado gravíssimo na UTI do HPS de Porto Alegre
> João Vitor Monteiro, três anos – Com escoriações na face e nas pernas, foi internado em estado regular na Casa de Saúde Doutor Sebastiany, em Sobradinho
> Neli de Brito Monteiro, 38 anos – Passou por cirurgia e foi internada em estado regular no Hospital São Sebastião Mártir, em Venâncio Aires

> Valdecir Stein, 32 anos – Sofreu ferimentos leves, foi atendido e liberado
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Fonte: Zero Hora

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